CULTURA

Kobra: da ilegalidade ao sucesso

Juliana Simonetti
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No começo de suas intervenções, ele foi detido "umas quatro ou cinco vezes" pela polícia por estar pichando ou grafitando muros da cidade de São Paulo. Agora, ele é convidado para pintar grandes muros da capital (sabe aquele Niemeyer gigante da avenida Paulista? E o mural de mil metros quadrados com cenas antigas de São Paulo na avenida 23 de maio?) com direito até à presença do então prefeito Gilberto Kassab para a inauguração da obra. A trajetória de Eduardo Kobra - considerado um dos grandes nomes brasileiros quando o assunto é arte de rua - reflete um pouco da própria história do grafite no Brasil, que ao longo do tempo ganhou status de arte no país e começou a ser visto com outros olhos pela sociedade e também pelo poder público. "O grafite hoje está na moda", ressalta Kobra, que esteve em Sorocaba para fazer um trabalho na parede da padaria Santa Rosália, na rua Aparecida. Sim, os tempos de assinar boletins de ocorrências em delegacias ficaram pra trás e hoje Kobra assina grandes trabalhos por todo o mundo, como em Londres, Nova York, Atenas, Los Angeles, entre outras cidades.

Kobra iniciou suas primeiras pichações aos 12 anos de idade, em Campo Limpo - periferia de São Paulo. Autodidata, o artista, que sempre gostou de desenhar, passou ao grafite e hoje diz que se enquadra mais como "muralista" - apesar de ainda fazer suas inserções como grafiteiro pela cidade de São Paulo. Segundo a definição de Kobra, tanto a pichação como o grafite (que tem uma preocupação estética maior que a pichação) são ilegais, pois são feitos em muros e paredes sem uma autorização da prefeitura, proprietário ou órgão responsável. Já o muralismo, que tem a mesma linguagem estética do grafite, é feito em locais com prévia autorização. Kobra explica que hoje a principal vertente de sua carreira é o muralismo, apesar de ainda ter seus momentos de grafiteiro. "Fizemos recentemente em um paredão, perto do rio Pinheiros, um grafite de protesto contra a poluição. Não tínhamos autorização para isso", explica Kobra, que tem, entre as principais temáticas de seus trabalhos, a questão ambiental. "Comecei na pichação e hoje estou no muralismo, mas não se trata de uma evolução em minha carreira. É que simplesmente a coisa foi tomando esses rumos. Mas não gosto de falar em evolução", ressalta Kobra.

Mas antes de a carreira tomar esse rumo, Kobra trabalhava na Caixa Econômica e dedicava seu tempo restante para grafitar. "Só trabalhava para conseguir dinheiro para comprar tintas e grafitar. Mas estava muito insatisfeito com aquilo." Ao longo do tempo, com as encomendas chegando, o que começou com um hobby malvisto pela sociedade e até por sua família - "o pessoal achava que era coisa de desocupado" - virou a profissão do artista, que tem seu próprio escritório-ateliê e conta com uma equipe de 12 pessoas. Aliás, o tal hobby tomou mesmo grandes proporções e Kobra está prestes a inaugurar uma galeria de arte de rua em São Paulo. Será no mesmo prédio de seu escritório, na Vila Madalena (rua Medeiros de Albuquerque, 363). "Devemos inaugurar em aproximadamente dois meses. Traremos exposições de artistas de rua do Brasil e também estrangeiros", explica.

Ele lembra que quando começou a pintar sob encomenda recebeu algumas críticas de pessoas ligadas ao grafite. "Alguns me diziam que eu estava traindo o movimento. Mas depois muitos que criticaram acabaram também fazendo trabalhos para marcas e tudo o mais. Eu penso que se eu quero me sustentar com o meu trabalho, esse é um caminho possível. Afinal, tenho que pagar as minhas contas. Nunca fui radical nesse sentido. E também acredito que ser convidado por uma grande marca para fazer um trabalho também é uma forma de reconhecimento", reitera.

Além da questão financeira, Kobra ressalta também que a ilegalidade das intervenções ia de encontro à sua linguagem artística. "Meus trabalhos têm muitos detalhes, muita luz e sombra e isso requer um tempo grande de execução. E quando estamos grafitando na ilegalidade, isso é impossível pois a ação tem que ser rápida", explica. Ele também ressalta que seu trabalho como muralista é bastante respeitado por pichadores que não interferem nos trabalhos. "Mas isso é porque eu tenho uma história na rua e daí o pessoal me respeita. Levei anos para estar onde estou", comenta o artista de 37 anos, 25 deles dedicados à arte de rua.

Artista também se destaca com pinturas 3D

Você já viu aquelas pinturas feitas no chão que dão a impressão de ter profundidade? Conhecidos como pintura 3D ou anamórfica, esses trabalhos também são realizados por Kobra. "Passei uns cinco anos pesquisando e estudando sobre isso. No Brasil, ninguém ainda tinha feito", conta. E foi exatamente quando se sentiu preparado para a empreitada que o acaso bateu em sua porta. "O Andrea Matarazzo (então secretário de Cultura do Estado de São Paulo) tinha visto uma dessas pinturas 3D na Europa e queria isso em São Paulo. Entraram em contato comigo pra saber se eu sabia de alguém que fazia esse tipo de trabalho. E eu respondi: eu mesmo faço."
A primeira experiência ocorreu na Praça do Patriarca em 2009. "Rolou uma pressão interna, pois era a primeira vez que eu fazia e, só pra você ter uma ideia, tinha até helicóptero da Rede Globo filmando o processo... E eu sem ter muita certeza se ia dar certo ou não."

Partindo de clássicos da História da Arte, Kobra faz seu protesto
Em novembro, em São Francisco (nos Estados Unidos), Kobra realiza uma exposição de telas em que apresenta releituras de obras famosas da História da Arte acrescentando a elas um cunho de protesto ambiental. Sendo assim, partindo daquela famosa tela de Salvador Dalí em que os relógios aparecem derretendo, Kobra aproveita para fazer uma alusão ao derretimento das geleiras. Em um das famosas cenas de campo de Van Gogh aparece um novo elemento: há derramamento de agrotóxicos na paisagem.

Caminhos cruzados com Mister Brainwash
Quem gosta dos trabalhos de Banksy (um dos mais famosos artistas de rua da atualidade) com certeza já deve ter ouvido falar ou mesmo assistido ao documentário: Banksy: Exit Through The Gift Shop (se não assistiu ainda, vale à pena dar uma fuçada no Youtube). Muito além de falar da atuação do enigmático Banksy (que nunca se mostrou ao público e que é dono de uma obra em que ironia, protesto e poesia são peças-chaves), o documentário traça um panorama da arte de rua praticada nos EUA e coloca como protagonista o polêmico Mister Brainwash que é dono do mais rico arquivo de vídeos sobre arte de rua nos EUA. De videomaker, ele acabou por se tornar artista de rua por incentivo do próprio Banksy. Mister Brainwash é uma figura bem ao estilo "ame ou deixe-o" e que acabou por conquistar um espaço na mídia com seus trabalhos e ousadia. Em sua ida a Miami, Kobra acabou por conhecer a figura, que registrou em vídeo a atuação do brasileiro. "Daí, ele me convidou pra pintar a fachada do estúdio dele em Los Angeles", comentou Kobra, que assim o fez.

Aliás, Kobra viveu um episódio curioso com os fãs de Banksy. Tudo começou pois Banksy fez um trabalho nos muros da casa de espetáculos Roundhouse, em Camden Town, famoso bairro descolado em Londres. "O trabalho de Banksy foi atacado por uma senhora que mora no bairro e não gostou da obra, destruindo-a com tinta branca. Pouco depois, vários artistas utilizaram o muro para protestar, desenhando uma onça e colocando frases contra o ataque", diz Kobra em seu site. Mais tarde e sem ter nada a ver com a história, Kobra foi convidado pela Roundhouse a fazer um trabalho no tal muro e daí os defensores de Banksy quase que se viraram contra o artista. "Foi preciso explicar a situação para que não houvesse nenhum problema", conta Kobra. Esclarecido o impasse, as pessoas foram muito receptivas ao trabalho do brasileiro.

Em Sorocaba, trabalho faz parte do projeto Muros da Memória
O trabalho realizado aqui em Sorocaba pertence ao projeto Muros da Memória em que Kobra tem como objetivo resgatar imagens antigas de um local através de sua arte (o mesmo projeto foi realizado na avenida 23 de maio em São Paulo). Como a padaria em que realizou a pintura fica no bairro Santa Rosália, Kobra partiu de fotografias antigas da Fábrica de Tecido Santa Rosália, construída no final do século 19. A foto utilizada como referência data de 1940. "Esse projeto tem a ver com a questão da preservação do patrimônio histórico", reitera Kobra, que veio à cidade à convite de Paulo Pivetta, filho dos proprietários do estabelecimento. O jovem, que estuda publicidade em São Paulo, conta que sempre admirou o trabalho de Kobra. "Tem obras dele por São Paulo e sempre gostei muito. Daí, pensei em trazer isso para Sorocaba", explica o jovem. Entre preparar a parede e realizar a pintura foram cerca de dois dias de trabalho de Kobra e sua equipe.