O eterno contemporâneo
Maíra Fernandes
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Há poucas informações precisas sobre a vida do poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare. Em contraponto, suas obras e personagens perpassaram as fronteiras inglesas chegando a diversos cantos do globo. Mais de quatro séculos depois, suas peças ainda permanecem atuais, sendo pesquisadas e revisitadas nas distintas áreas artísticas e acadêmicas, e suscitando debates sobre a genialidade (ou não) desse autor que morreu em 23 de abril de 1616, exatos 52 anos depois do seu nascimento, em 1564, na mesma cidade de Stratford-upon-Avon. Na próxima terça-feira, completam 449 anos de seu nascimento, e também 397 de sua morte.
Maior nome do teatro mundial, com obras que abrangem gêneros como a comédia - Sonho de uma noite de verão, A Comédia dos Erros, Os dois fidalgos de Verona, Muito barulho por coisa nenhuma, Medida por medida; a tragédia - Romeu e Julieta, Julio César, Macbeth, Antônio e Cleópatra, O Rei Lear, Otelo e Hamlet; e os dramas históricos - Henrique IV, Ricardo III, Henrique V, Henrique VIII, Shakespeare também é autor de frases célebres como "Ser, ou não ser, eis a questão", da peça Hamlet.
Para a doutora em Linguística Aplicada e estudos da Linguagem, professora de inglês e literaturas de língua inglesa da Universidade de Sorocaba (Uniso), Daniela Vendramini Zanella, a literatura inglesa é rica e composta por poetas e escritores muito criativos, como Geoffrey Chaucer (Contos da Cantuária), do século 14; John Milton (Paraíso perdido), que viveu em uma Inglaterra pós Shakespeare; sem contar os poetas românticos, do início do século 19, como Lord Byron, Percy Bysshe Shelley e Samuel Taylor Coleridge. Para ela, o diferencial de Shakespeare foi a ousadia em tratar temas já existentes de uma nova forma. "Na época de Shakespeare, havia outros artistas escrevendo dramas, pois o cenário inglês era favorável aos teatros como forma de informação e entretenimento (não havia outro veículo tão eficaz na época!). Shakespeare, como esses outros escritores de sua época como Thomas Kyd, Christopher Marlowe, extraía suas temáticas de obras já existentes e conhecidas pelo seu público. Às vezes, isso é motivo de críticas que apontam Shakespeare não como criador e sim plagiador. Mas, o que não se dão conta é que ele reinventou o modo de tratar essas ideias, o que o tornou expoente", defende a professora, que destaca na vasta obra shakesperiana a peça Hamlet, "pela ironia que esbarra o cômico dentro de uma tragédia. É uma peça difícil, mas vale muito a pena pela riqueza e maestria do uso da linguagem."
Eterno contemporâneo
Trazendo à luz temas universais como amor não correspondido, traição e inveja, Shakespeare construiu uma obra atemporal, que sobrevive aos séculos com frescor nas discussões. Mais do que tratar essas temáticas, Daniela defende que o modo que ele as apresenta aproxima o público e o leitor dos seus personagens, o que garante a suas obras atualidade. "Ele é tão atual devido tanto aos assuntos abordados como pela maneira que os aborda. O grande escritor inglês da era elisabetana, época de grandes descobertas e da Renascença, brindou-nos com temas universais ligados à sabedoria e ao modo de criticar o mundo. Diferentemente de outros escritores, Shakespeare apresenta essa temática de forma que nos aproxima de suas personagens, pois parece compreender a essência da natureza humana, seus defeitos, suas fraquezas e virtudes."
A professora usa como exemplo os monólogos interiores de suas obras, que invés de serem cansativos, "são compartilhamento de segredos tão íntimos quanto os nossos próprios", e instigam à reflexão, colocando a pessoa numa relação de co-construção da leitura versus entendimento da obra. "Assim, vibramos, sussurramos, sentimos raiva e nos emocionamos."
Para tratar da atualidade de Shakespeare, a professora retoma questões colocadas pelo crítico da literatura inglesa, Harold Bloom, que diz que Shakespeare é o criador do homem moderno, pois seus personagens têm consciência de sua existência e se auto criticam, agem e reagem. "Adicionalmente, Shakespeare, poeta e dramaturgo, utiliza o discurso como forma evocativa da imaginação. Acredito que é isso que mais me atrai. Ao ler ou assistir a uma peça de Shakespeare, você será convidado a imaginar aquele contexto, aquela situação pelo discurso e não por utilização de outros artefatos, como cenários, por exemplo. Então, Shakespeare é mesmo um "eterno contemporâneo". Gosto dessa expressão, utilizada por Bárbara Heliodora, a renomada tradutora do autor no Brasil", considera Daniela, que começou a se interessar pela obra do dramaturgo inglês quando ainda cursava Letras na Uniso e, na ocasião, de forma amadora, apresentou a peça A Megera domada. "Hoje, como professora da disciplina de Literatura Inglesa, no mesmo curso e universidade, convido os alunos a experimentarem essa vivencia no palco, como parte dos estudos. Essa experiência é muito importante, pois Shakespeare escreveu para ser interpretado."