A biografia não autorizada de Banksy
Andrea Alves
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Desvendar um dos artistas mais comentados da atualidade, um dos mais valorizados e também um dos mais polêmicos não era o objetivo de Will Ellsworth-Jones ao escrever a biografia Banksy - Por trás das paredes, da Editora Nossa Cultura e recentemente lançada no Brasil. Para falar do grafiteiro Banksy nas páginas do seu livro, Will conversou com conhecidos do artista e até com adversários (afinal, mesmo sendo dos mais admirados artistas, quem protesta, invade e passa por cima da obra de outros também conquista desafetos) e fez uma compilação de inúmeras entrevistas concedidas pelo artista, que faz questão de manter sua identidade preservada.
Sendo assim, a identidade de Banksy segue desconhecida, mesmo porque o autor não tinha como objetivo fazer uma revelação, mas com a publicação muito mais se sabe sobre os feitos desse artista ousado e que, em 2003, passou pelos seguranças da galeria Tate, o museu de arte moderna de Londres, e achou um jeito de colocar uma de suas obras, um quadro na verdade, na valiosa parede daquele espaço. São momentos como esse que Will conta em seu livro, muitas vezes, claro, acrescentando comentários do próprio Banksy - que sobre esse episódio, disse: "muitas vezes as pessoas perguntam se grafite é arte. Bom, deve ser, agora que foi colocado na fodida galeria Tate".
Banksy é apreciado por seus trabalhos em estêncil espalhados nos muros da sua cidade natal, a inglesa Bristol, por muitos trabalhos em Londres e por algumas exposições polêmicas, como a obra Turf War, de 2003, quando ele grafitou alguns animais. Parte da carreira desse artista está nas páginas centrais do livro, que reúne fotografias legendadas dos grafites e outras instalações criativas. Will foi repórter-chefe e correspondente em Nova Iorque do jornal The Sunday Times, além de ter trabalhos em revistas. Ao escrever Banksy - Por trás da parede, o autor viveu uma experiência diferente e fez sua própria regra ao não aceitar a imposição de Banksy: o artista concederia entrevista, somente por email, se depois pudesse ler o material a ser publicado. "Mas eu não iria mostrar o manuscrito a ele. Se era uma biografia não autorizada, por que teria que mostrar?", disse o jornalista responsável pela biografia em entrevista que concedeu ao Mais Cruzeiro.
Will comentou - com ironia ou é impressão? - ter ficado feliz quando a equipe de Banksy pediu que fosse destacado que essa era uma biografia não autorizada. "Ficamos felizes por isso. Nunca quisemos que o livro fosse autorizado", afirmou Will. O jornalista, que vive em Londres, ainda comentou sobre as discussões em torno de biografias que estão em voga no Brasil. Acompanhe a entrevista:
Sei que é uma pergunta comum, que a própria arte de Banksy é motivo para tal, que a identidade secreta do artista é também motivo tentador: mas por que escolheu escrever sobre Banksy?
Acho que foi no começo de 2010 que meu editor teve a ideia de que eu seria uma boa pessoa para escrever um livro sobre Banksy. Meu livro anterior foi sobre "conscientous objectors", que são pessoas que se negaram a lutar durante a Primeira Guerra Mundial e por isso não vi muita conexão entre um livro e outro. Mas gostei do que vi sobre o trabalho do Banksy e achei que seria fascinante conhecer mais sobre ele. E foi.
Escrever sobre esse ilustre desconhecido foi desafiador?
Sim, foi muito desafiador. Eu não esperava falar com ele, mas tinha expectativa de falar com todos os seus amigos. Alguns deles falaram comigo e outros não. As vezes, isso me fez pensar que eu nunca iria conseguir finalizar o livro e isso me deixou bastante tenso. Mas minha esposa sempre me disse para não levar isso para o lado pessoal e eu segui buscando pessoas que estivessem dispostas a falar e a me ajudar a compor essa história.
Como foi escrever sobre alguém que não se conhece a partir somente do que os outros revelam e interpretam? Que cuidados tomou, como foi seu esquema de pesquisa e escrita?
Eu vi todas as artes de rua como um novato. Eu já tinha gostado dos trabalhos de Banksy que eu já tinha visto, mas não conhecia muito sobre ele. Eu não tinha conhecimento suficiente e não valia a pena fingir que eu tinha. Um dos meus primeiros contatos foi com um jovem grafiteiro que usou o grafite para fugir de uma gangue da qual costumava fazer parte. Ele me guiou através do mundo do grafite e me contou muita coisa. A vantagem de ser de fora era o fato de que tudo me era explicado nos detalhes da mesma forma que eu teria que explicar aos leitores. Algum entendedor do assunto talvez não soubesse como explicar esse assunto para o público geral. Logo no início, tive que ficar ciente que, embora eu adorasse a ideia de ter uma entrevista com Banksy, eu não a teria. Se o livro fosse baseado na esperança de ter uma entrevista com ele, eu teria gasto mais de um ano da minha vida esperando por algo que não aconteceria e no final não haveria livro algum. Seria um desastre. Primeiro tive que aprender tudo sobre arte de rua e grafite e conversar com artistas. Só então pude começar a entrevistar pessoas. Eu achei que podia começar essas entrevistas em Bristol, no oeste da Inglaterra, onde o Banksy fez suas primeiras pinturas e de onde ele vem. Então comecei a entender como ele começou suas pinturas e que tipo de homem ele é.
A partir do pesquisou, o que pode dizer sobre Banksy? Como é esse artista, essa pessoa?
Eu acho que ele é uma pessoa bacana, divertida e carismática. Ele não gostou da escola. Ele não fez faculdade. Ele só queria ir pra rua com a sua galera. Ele gosta de música, ele gosta de shows de rock, ele gosta do Festival Glastonbury. Seus amigos são muito fieis. Ele é muito mais determinado que a maioria dos grafiteiros. Determinado a expandir de Bristol pra Londres. Determinado a fazer sucesso em Londres. Determinado a chegar a Los Angeles e Nova Iorque. Sua vida parece ser bem descomplicada, com dinheiro e fama, mesmo uma fama de um anônimo traz alguns problemas. Sobretudo, acho que ele é uma força do bem, com algo a dizer de forma única.
Teve algo que descobriu sobre Banksy e que o surpreendeu? Banksy é polêmico, nem todos o amam...
O que mais me surpreendeu foi que, a princípio, pensei que ele era somente um vândalo. Mas ele não é mais isso. Ele é um agente publicitário que gerencia um grupo super fiel de amigos que o ajudam em seus projetos especiais. Então Banksy é muito mais que Banksy hoje em dia!
O livro é apresentado como biografia não autorizada. Houve algum comentário dele sobre a não autorização ou mesmo a respeito dessa publicação?
A equipe do Banksy procurou nosso editor e pediu que uma coisa fosse colocada no início do livro e nós fizemos isso. E diz: "Esse livro é não oficial. Não foi autorizado por Banksy ou pest control".
Pest Control (controle de pragas) é o serviço que autentica os seus trabalhos e o protege dos falsificadores. Ficamos felizes por isso. Nunca quisemos que o livro fosse autorizado. Eu perguntei pra assessoria de imprensa dele se conseguiria uma entrevista e ela disse que se isso acontecesse, mesmo que de maneira muito remota seria apenas por e-mail e ele teria que ver o manuscrito antes. Mas eu não iria mostrar o manuscrito a ele. Se era uma biografia não autorizada por que teria que mostrar? Eu não entendi essa regra do sistema brasileiro, onde se alguém diz que não autoriza uma biografia a mesma não pode ser feita. Eu não entendo muito disso, mas parece ser uma lei para proteger políticos e gente muito rica.
Esse tema - biografias não autorizadas - está em discussão no Brasil. Algumas personalidades são favoráveis à publicação porque dizem que proibir seria censurar. Outros são contra à publicação não autorizada.
Eu acho que há uma difícil questão, em que o direito à privacidade tem que ser balanceado com a liberdade de expressão e isso não é fácil. Conforme você me descreveu, isso me parece ser uma regra ultrajante. Eu certamente não teria escrito meu livro sobre Banksy porque eu não teria sua permissão. As pessoas são protegidas por leis, mas essa lei não pode restringir a liberdade de expressão. Eu pedi a entrevista ao Banksy e ele só me concederia vendo o manuscrito do livro. Como eu não estava preparado pra isso, não houve entrevista. Segundo essa regra brasileira, o livro seria cancelado...isso é ultrajante! (e penso que o Banksy pensa como eu).
Você chegou a ter pistas de quem pode ser Banksy? Sei que sua intenção não era essa, mas se tivesse descoberto sua identidade, seria tentador revelar ou mais prazeroso guardar só pra si?
Tenho certeza de que sei quem ele é, mas pra que expor isso a todos? As pessoas gostam dessa situação e se eu publicasse seu nome no livro, tudo seria sobre sua pessoa e não sobre sua arte.