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Elvira Boni Lacerda em seu devido lugar


 
Dentre as oito autoras que escreveram nos exemplares do jornal O Operario analisados na pesquisa, uma delas se destaca: Elvira Boni Lacerda (1899-1990). "Não por méritos particulares em seus discursos, pois todas elas estavam diante de um projeto de vida e de emancipação humana, mas por ser a única que consegui identificar, pois as perseguições eram freqüentes e algumas delas permanecerão no anonimato." De acordo com a pesquisadora Marcélia Picanço Valente, as mulheres que não assinavam apenas com o primeiro nome, utilizavam de pseudônimos como "uma operária".

A partir de uma pesquisa mais detalhada, Marcélia conseguiu trazer Elvira para o seu lugar na história, ao desenhar, juntando informações recolhidas em diferentes publicações, um perfil mais completo da ativista, natural de Espírito Santo do Pinhal (SP), e que, de acordo com a leitura da pesquisadora, deve ter tido uma ligação mais próxima com Sorocaba. "No O Operario, Elvira assina sete artigos, inclusive em um deles faz-se presente nas discussões dos problemas locais. A descoberta da identidade de Elvira veio reconhecer um lugar para esta mulher na história da imprensa operária em Sorocaba", destaca Marcélia.

A descoberta de sobrenome de Elvira aconteceu a partir da leitura do livro Invenções do trabalhismo, de Angela de Castro Gomes, no qual Elvira Boni é citada pela autora para ilustrar o período de divergência entre anarquistas e socialistas. Depois, em pesquisa na internet, Marcélia encontrou uma referência de Elvira no Dicionário Mulheres do Brasil (2000), onde ela é retratada como ativista, política e líder grevista. "Em todos os documentos em que há referências sobre Elvira, seu nome está sempre relacionado ao anarcossindicalismo, forma anarquista em que os sindicatos podem ser utilizados como instrumento para mudança social. Apesar de costureira de formação, o trabalho sindical foi uma das suas principais ocupações, que por meio de sua atuação nos sindicatos, fundou a União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas, em 1919, no Rio de Janeiro." Elvira também participava de um grupo de teatro operário, elemento fortemente presente na cultura dos trabalhadores brasileiros, a partir do final do século 19.

Ideais anarquistas

Elvira Boni de Lacerda escreveu frequentemente para o jornal O Operario a partir do ano de 1912 e, conforme Marcélia, em seus escritos se observa uma postura anticlerical combativa aos costumes e moral da época, defendendo, inclusive, o amor livre e a escolha de parceiros. "Parece incrível que essa jesuitada de casaca e outros tantos de batina se preocupem tanto com a resolução que tomaram meia dúzia de homens de repelir os preconceitos da infernal Madre-Igreja. Não contentes essa corja de destruírem o amor livre e levantarem códigos para o afeto e legislações para o poema do beijo, criando leis para união passional de duas almas completares que se encontraram e se amaram no embate das lutas (...): tentam ainda imporem a sua vontade na vida privada dos que se acham divorciados dos seus preconceitos", relata no artigo intitulado O divórcio, de outubro de 1012. "A partir do trecho do artigo, pode-se perceber o quanto Elvira estava envolvida com as ideias do anarquismo fomentadas pela criação da Liga Anticlerical fundada, em 1909, com o objetivo de combater a presença da Igreja na esfera social e política", finaliza.