CADERNO DE DOMINGO

Promessa de emprego era golpe de aliciador


 
:"Ele me prometeu US$ 500 mensais de salário". Essa era a remuneração que a boliviana Guadalupe Cruz (como aqui será chamada para preservar sua identidade) iria receber pelo seu trabalho em uma fábrica de costura, em São Paulo. Mas, tudo não passava de mais um golpe de um aliciador que buscava mulheres, na sua maioria pobre, para trabalhar em situações análogas à escravidão no país. "Lembro-me como se fosse ontem. Eu fui a uma agência de empregos na minha cidade e um homem, que depois descobri que era chamado de "gato", me convidou par vir trabalhar no Brasil. O salário era muito bom para quem não tinha nada. Não pude resistir", conta Guadalupe.
Com poucos pertences, a jovem, na época com 20 anos, contou que ouviu as mais diversas promessas de seu aliciador. "Ele me disse que iria ter tudo, casa, bom salário e que a minha vida iria melhor. Prometeu-me tudo. Tudo aquilo que qualquer pessoa sem nenhuma expectativa de vida pode sonhar. Mas era tudo mentira", recorda.
Ao chegar no Brasil, outro homem com uma lista esperava o grupo em que Guadalupe, que chegava em um ônibus, estava. Depois de desembarcar o grupo foi dividido e Guadalupe nunca mais viu as pessoas que viajaram com ela. "O novo grupo no qual fiz parte foi levado para uma fábrica de costura. Ficamos trancados e vários homens nos vigiavam. Não podíamos sair. Só tínhamos direito a uma refeição por dia e a comida sempre vinha estragada. Banho uma vez por semana. As nossas roupas não eram lavadas porque, segundo esses guardas, iria gastar muita água", recorda. "Eles nos falavam: "Aqui não tem descanso. Vocês não vieram para trabalhar? Então, aqui vocês vão trabalhar". E essas palavras não saem do meu coração."
Clandestinos
Os documentos da boliviana e dos demais foram retirados, como forma de garantir que os estrangeiros não iriam fugir. "E nos diziam que se fugíssemos os policiais que estavam do lado de fora iriam nos prender porque estávamos no Brasil de forma clandestina."
Guadalupe ficou dois meses vivendo nessa situação precária, até que ela e alguns amigos fugiram e conseguiram chamar a policia. "Contamos a eles que estávamos trabalhando e não tínhamos nenhum pagamento desde que desembarcamos", contou.
A boliviana e seus amigos foram encaminhados para a defensoria pública onde ficaram em um abrigo. "Longe do sofrimento, era a vez de vencer a dificuldade com a língua. Comigo ficavam outras pessoas, de vários lugares do mundo. Todas traficadas. Nunca mais vi ninguém, não sei se estão no Brasil ou voltaram para casa."
Guadalupe, mais tarde, teve um filho fruto de um relacionamento. Depois disso, se mudou para Sorocaba onde ficou um mês e teve todo o apoio dado pelo CIM Mulher. Agora a jovem, longe do medo da exploração, voltou para São Paulo e tem cuidado da regularização de seus documentos. Trabalha em uma empresa e cuida de seu filho. "Gosto do Brasil e dos brasileiros. Quero deixar tudo certo para visitar a minha família e levar o meu filho conhecer os parentes dele e depois voltar ao Brasil".
As cenas de todo o sofrimento nunca sairão da cabeça de Guadalupe e embora saiba que está segura, sofre por aqueles que são traficados todos os dias. "Quando penso fico triste. O tráfico continua trazendo e levando pessoas. Crianças são separadas de seus pais. Eles roubam a nossa dignidade e isso é o que de mais valioso que temos", conclui. (S.L.)