ELA

Mulheres e futebol estão cada vez mais próximos


Telma Silvério

[email protected]

"Acredito que as seleções da Argélia, Honduras, Rússia, e mesmo do Japão, que melhorou taticamente e ganhou mais expressão com a passagem do Zico, não deverão passar da primeira fase." Em épocas de decisões de campeonatos, o futebol se torna tema central em rodas de conversas do sexo masculino. Nos dias atuais, em pleno clima de Copa do Mundo, alguns ainda se surpreendem quando esse tipo de bate-papo é entre mulheres. Um exemplo: a professora de educação física Roberta Karina Teixeira Chesini, de 34 anos - autora da frase acima - discute abertamente sua paixão pelo esporte. Afinal, num país em que o futebol arrasta multidões, elas não estão de fora. Isso apesar de uns e outros teimarem em dizer que "mulher não entende nada de regras ou impedimentos". Mas diferente de antes, muitas vezes, o homem cala quando elas entram em campo.

Melhor jogadora do mundo cinco vezes, Marta Vieira da Silva, a Marta, é a principal referência dos gramados. Sua habilidade e dribles são capazes de desconcertar qualquer amador e até profissional. Aqui em Sorocaba, as irmãs Ramalho ganharam fama em meados da década de 70, ao criarem a primeira torcida feminina do Esporte Clube São Bento. O pioneirismo é mérito da matriarca Maria de Nazaré, a dona Lelé. Para se ter uma ideia da paixão: em disputas importantes, a concentração ocorre em sua casa, no Jardim Maria Eugênia. Já o grito pelo time do coração vem em todos os jogos, das arquibancadas. Assim como em outras partes do país, as sorocabanas demonstram cada vez mais carinho pela "redonda". Hoje não se contentam com o papel de expectadoras, mas torcem ativamente e disputam a bola em campo.

É uma partida de futebol

Ao lado do pai - ainda pequena - a professora Roberta Chesini lembra de torcer contra qualquer time que não fosse o Corinthians Futebol Clube. "Tinha uns 11 anos - mais ou menos - quando o Corinthians foi campeão. Época em que o Neto jogava na equipe." Ela não duvida que seu pai a tenha influenciado tanto na escolha do time quanto no gosto pelo esporte. A paixão levou-a aos estádios onde extravasa com o resto da torcida, mas também às quadras, onde, ao lado de outras amigas reúne-se pelo menos uma vez por semana para uma "pelada". Já nos estádios, revela: "A gente participa de tudo. Se tiver que xingar a gente xinga, se for pra cantar a gente canta junto, pula. Tudo sem qualquer preconceito." Roberta afirma não se sentir menos à vontade em rodas de conversas, e mesmo em quadra com seu grupo.

Atuando em projetos de iluminação, Juliane Carvalho, 29, é uma das atletas que joga por lazer, na equipe da Roberta. Ela explica que até os 17 anos jogava em times de futebol de salão de Sorocaba e pelo Guarani. "Hoje só jogo por hobby." O grupo de umas dez mulheres, com idade média de 35 anos, acompanha atentamente seus times. "Tem torcedora do Corinthians, mas tem sãopaulinas também na equipe", conta Roberta. Para Juliane, o preconceito ainda existe, pois os homens acham que a mulher nunca vai entender de futebol. Mas independente se é do sexo masculino ou feminino ela afirma: "Futebol não tem muita conversa, pois sempre acaba em discussão." Já a professora de educação física critica a violência no futebol. "Perde a finalidade, que é de lazer", lamenta.

Torcedoras do São Bento fizeram até curso de arbitragem

A psicóloga do esporte Flávia Rami, 29, pratica o esporte por lazer com a equipe Futebol das Mina. Ela acredita que o preconceito tenha diminuído, e o fato de acompanhar e de discutir com qualquer pessoa sobre o assunto rende convites de amigos para assistir jogos. "Vamos torcer para que depois desses eventos esportivos tenhamos mais mulheres entendendo de futebol e menos homens "cabeças-duras"." Ela lamenta não ter conseguido ingressos para jogos da copa. "Mas já garanti uma televisão nova para assistir melhor com os amigos." Tirando os jogos do Brasil, Flávia confessa que os mais esperados por ela são das seleções européis como da Espanha, Itália e Alemanha. "Além da Argentina que está vindo muito forte e preparada para o mundial", aposta.

"Pela qualidade dos jogadores, e claro, pela beleza", a auxiliar administrativa Vanessa Cristina Rodrigues, 26, confessa que não gostaria de perder os jogos da Espanha. "Foram campeões em 2010." Há cerca de um ano Vanessa ajudou a formar a atual equipe Futebol das Mina, ao lado da amiga Thais Almenara. "Fomos convidando mais e mais meninas. Hoje jogamos futebol de salão. Sempre às terças-feiras. Temos até página no Face." Sãopaulina "roxa", Vanessa explica que na infância costumava enfiar a bola debaixo do braço e convidar os meninos para jogar. Isso sem qualquer apoio do pai, que mesmo hoje vê o hobby da filha com certa restrição, enquanto o marido encara sem qualquer preconceito. A assistente administrativa Rachell Rodrigues Oliveira Caramante, 26, é outra integrante.
"Vi no Facebook, logo me convidei e comecei a ir." Os jogos chegaram a reunir umas vinte meninas, calcula Rachell. Ela explica que a idade média de 20 a 25 anos. Quanto às profissões: "Algumas fazem Direito, outras já são formadas em Design, Publicidade, Administração, Jornalismo." Rachell é casada e mãe da Clara, de 1 ano e 9 meses. "Ela também ama futebol. Desde pequena assiste, grita e torce." A assistente administrativa afirma que sempre fez parte do time da escola em que estudava. "Mas logo que saí não tinha mais com quem jogar. Fiquei 8 anos parada, então descobri o grupo e voltei a jogar." Por não ter juiz, ela explica que o jogo não tem muitas regras, mas afirma que acompanha e entende. Não raro, as pessoas se surpreendem com a frequência dos jogos, organização e adesão, comenta.

Marias-chuteiras


"Tira Prosa" foi a primeira torcida organizada do São Bento. A mais apaixonada e feminina que se viu e se vê, pois as irmãs Ramalho estão na ativa e à frente, de forma a incentivar outras gerações a demonstrar e até a praticar o esporte. Maria Helena, 53, conta que as quatro irmãs - faixa dos 60 - acompanham todos os jogos do alviceleste. Todas são casadas, mas os maridos "não têm muita afinidade com futebol". "Torcem mais em casa. Não são torcedores de arquibancada como nós." Por outro lado, elas conseguiram influenciar filhos e netos. "Ajudam voluntariamente até a captar sócios para o clube", conta Maria Helena. Ela é mãe de três filhas: Pollyana, 31, Lis, 24, e Lígia, 22. Pollyana é casada e tem dois filhos: Matheus, 15, e Thiago, de 9.

A torcedora fanática explica que filhas e netos atuam em prol do clube e por amor ao futebol. "Somos bairristas. Nosso time é o São Bento", reforça. Maria Helena conta que ela e as irmãs chegaram a fazer curso de arbitragem para entender de futebol. Isso foi em 1978, quando era uma categoria somente masculina. "A gente tinha preocupação e saber o que estava falando, conhecer mesmo o futebol", esclarece. Quem influenciou a viver esse mundo, revela Maria Helena, foi seu pai, José Carlos Ramalho. Jogador amador e torcedor do Corinthians, o pai - falecido a 32 anos - costumava trazer a família de Piedade, onde moravam, para assistir os jogos. Foi num jogo do São Bento que seu pai negociou um armazém.

"Eu tinha uns 13 anos. Na época a gente não via mulheres no Humberto Reale. Minha mãe mesmo levava limão descascado para os jogadores chuparem. Acho que porque transpiravam muito. Pode se dizer que fomos as primeiras marias-chuteiras", brinca ela. Ao lado das irmãs Rosa Maria, Marina Maria e Maria José, Maria Helena conta que suas famílias, assim como agregados, têm o compromisso, durante a Copa do Mundo, assistir os jogos da seleção na casa da dona Lelé, no Maria Eugênia. "Tomamos o café da manhã e cada um traz um prato para acompanhar os jogos da seleção. Se o Brasil perde acabamos torcendo pelas equipes menos favorecidas. Está sendo assim no Campeonato Paulista. Torcemos para o Penapolense, e agora é o Ituano", conclui.