SOROCABA E REGIÃO

O povo haitiano não quer mais as tropas estrangeiras no País, diz o senador Moise



Carolina Santana
[email protected]

"O povo não quer mais as tropas estrangeiras no Haiti." A afirmação é do senador haitiano, Jean Charles Moise, que esteve no Brasil no final de maio para entregar ao Congresso brasileiro um pedido oficial de retirada do exército da Organização das Nações Unidas (ONU) do país arrasado por um terremoto em 2010. O documento foi elaborado pelos parlamentares haitianos em protesto contra a permanência, desde junho de 2004, dos soldados que são liderados pelo Brasil.
Moise chama a presença militar estrangeira de ocupação e lembra que, inicialmente, as tropas ficaram por seis meses para a chamada Minustah (Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti). Para Moise, a presença das tropas estrangeiras no Haiti é um dos motivos da saída maciça de haitianos para outros países. O Brasil é uma das nações que tem recebido grande número de refugiados. Em Sorocaba, segundo a Polícia Federal, desde o ano passado chegaram 433 haitianos.
Em entrevista exclusiva o senador explicou que o documento feito pelos representantes do povo haitiano pede a imediata retirada das tropas daquele país. Segundo ele, os haitianos querem retomar o controle do país que, acusa, está sendo entregue às nações capitalistas por meio da ocupação militar estrangeira.
Essa foi a terceira vez que o senador haitiano esteve no Brasil. Em Brasília, Moise reuniu-se ainda com deputados federais que criaram uma comissão parlamentar que acompanhará a situação dos haitianos no Brasil. Moise considerou positiva a conversa com o governo brasileiro e agradeceu o acolhimento dado a seus compatriotas.
O senador percorreu outros países levando o mesmo pedido. Considerado de oposição, Moise critica fortemente o atual governo haitiano e levou o pedido de retirada das tropas até o Uruguai, Argentina e Argélia. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:
CS: Como aconteceu o envio das tropas estrangeiras para o Haiti?
Moise: A partir de 2004 nós sofremos muitos problemas políticos e a comunidade internacional enviou tropas para ajudar a estabilizar o país. Eles disseram que as tropas ajudariam a construir escolas, estradas e ficariam por seis meses. Tudo isso eles disseram, repetiram, insistiram, seria por seis meses e hoje já estamos com dez anos (do envio das tropas) e eles não fizeram escolas, não profissionalizaram a polícia natural, a presença das tropas não nos ajudou a estabilizar o País. Ao contrário, houve violação dos direitos humanos, não sei se os brasileiros conhecem a história com os soldados do Uruguai que estiveram lá e cometeram abusos sexuais contra um jovem no sul do país. A Minustah está no Haiti para defender os interesses do imperialismo, dos países ocidentais, eles dizem que estão lá para nos proteger, para nos ajudar, mas o governo colocado lá desde 2011 deveria ter organizado eleições para renovar dois terços do Senado e renovar as representações municipais e não fez isso. Foram os Estados Unidos que impuseram esse presidente ao nosso país.
CS: Por que os haitianos estão deixando o país?
Moise: Evidentemente todos sabem, em 2010 sofremos o terremoto. Problema político, catástrofe natural, tudo isso vai desembocar em problemas sociais, em problemas econômicos e sociais. Problemas da política neoliberal aplicada pelo governo, a ingerência da comunidade internacional. Todas essas dificuldades encorajam os haitianos a saírem do país, procurar outras formas de ganhar a vida, seja na República Dominicana, Bahamas, Estados Unidos, seja no Brasil. Os dominicanos recusaram a presença dos haitianos. As Bahamas também recusaram os haitianos. Felizmente os brasileiros aceitaram a presença dos haitianos. Sabemos que existem problemas. As coisas não são perfeitas.
CS: Qual o perfil do haitiano que está deixando o país? Pelo menos os que chegam em Sorocaba são, na maioria homens, em idade produtiva e alguns com profissão. Qual o prejuízo que o Haiti tem com a evasão dessa mão de obra?
Moise: É muito ruim. Muito ruim. Um país como o Haiti, muito pobre, investe em educação, seja educação secundária, seja superior, para formar agrônomos, engenheiros, sociólogos, médicos. Depois esses jovens, uma vez formados, são obrigados a deixarem o país, é um prejuízo enorme. E as pessoas não são apenas operários, são intelectuais também. Todos os extratos da sociedade estão saindo do Haiti em busca de trabalho. Como eu havia explicado, problema político, desastre natural, política neoliberal, pressão internacional, cólera... isso tudo forma uma força que empurra as pessoas a saírem do país.
CS: Os haitianos no Brasil sofrem muita dificuldade com relação ao idioma. Há relatos de exploração e trabalho escravo entre os haitianos. O que o governo haitiano pode fazer para evitar que isso aconteça? Para reduzir a vulnerabilidade dos haitianos que vêm para o Brasil?
Moise: Por isso que colocamos o problema dos haitianos no Brasil para o Senado brasileiro. Existe o problema sanitário, de alojamento, salário e de educação. Muitos querem prosseguir seus estudos aqui no Brasil. Por isso também foi formada essa comissão, para fazer a averiguação e buscar soluções para essas questões.
CS: Qual o posicionamento do governo do Haiti sobre a vinda de haitianos para o Brasil? Existe a possibilidade de haver alguma campanha ou movimento do Haiti para o retorno dessas pessoas que estão saindo do País?
Moise: O presidente que está lá hoje é americano, não tem noção disso. É um presidente que trabalha a favor dos países ocidentais. É um presidente que entrega nossos recursos naturais aos países ocidentais. Não se preocupa com seu povo. O povo haitiano é obrigado a combater sozinho, por si mesmo.
CS: Qual a condição da viagem para o Brasil? Não são todos que conseguem o visto direto no Consulado do Brasil e muitos ficam à mercê dos coiotes entrando no País de forma clandestina.
Moise: Muitos haitianos têm o visto, mas muitos não têm, é fato. Eles saem do Haiti de barco para chegar até o Peru ou a Bolívia e entrar no Brasil por terra. Essas viagens se fazem na total clandestinidade, nas costas do Haiti. É muito difícil fazer qualquer tipo de controle disso.
CS: Existe alguma campanha no Haiti para que essas pessoas não caiam nas mãos dos coiotes?
Moise: Não tem uma campanha. Mesmo se tivesse não iria resolver. A campanha que teve foi para dizer que o Bill Clinton ia nos salvar.
CS: Qual o relacionamento do povo com o Exército brasileiro?
Moise: Nenhum.
CS: A propaganda que nos é vendida é que as tropas brasileiras estão fazendo muito bem para o Haiti.
Moise: Todo o povo haitiano quer que as tropas saiam de lá. Não apenas eu. E a maior prova disso é que o Senado haitiano aprovou a resolução que vim trazer. As pessoas diziam que as tropas estavam lá para ajudar a construir escola, estradas, etc, mas não é isso.
CS: Para finalizar, eu gostaria que o senhor deixasse uma mensagem para o povo haitiano que está aqui no Brasil e em Sorocaba.
Moise: Haiti é nosso! É dos haitianos! Aqui onde vocês estão ainda são haitianos nascidos de mães haitianas. Compreendemos a difícil situação social, econômica e política do nosso País. Mas atenção: somos um País riquíssimo no que se diz respeito à cultura, história, recursos naturais. Temos muitos recursos naturais. Temos ouro, urânio, petróleo, temos muitos recursos. No entanto, estamos na miséria. Temos todo o tipo de companhia estrangeira dentro do País mas, no dia em que virá, aqui onde vocês estão, caros compatriotas, devemos continuar a batalha pela retirada das tropas estrangeiras do nosso território. Precisamos lutar contra o imperialismo para que um dia possamos ter um País livre e independente no qual os recursos que nós tínhamos voltem a pertencer aos haitianos. O Haiti não vai morrer!