ARTIGOS

A tecnologia por trás de uma garrafa PET



Você sabe como são feitas as garrafas de poli(tereftalato de etileno), o PET?

Os mais antigos vão lembrar que, até os anos 80 e 90, existiam embalagens de água sem gás em plástico, geralmente de polipropileno (PP) ou poli (cloreto de vinila) - PVC. Porém, para água com gás e outras bebidas carbonatadas a embalagem era de vidro. Após o advento do PET, no início dos anos 90, tanto as bebidas com gás quanto, posteriormente, as sem gás, tiveram a opção do novo plástico.

A capacidade de reter gás carbônico por períodos razoáveis (uma das coisas que determina o prazo de validade de uma bebida carbonatada) é o grande diferencial que o PET apresenta em relação ao PP e ao PVC. Isso porque o PET consegue, ao contrário de outros plásticos, aliar a transparência e a cristalinidade.

Um material é cristalino quando os átomos e moléculas se empacotam de forma ordenada. É fácil entender a cristalização de polímeros quando a associamos a pentear cabelos. Pela manhã, o dono do cabelo liso pode acordar com os fios todos bagunçados e, ao passar o pente, eles se ajeitam. Dessa forma, há plásticos semelhantes a cabelos lisos, ou seja, mais fáceis de cristalizar, como o PET.

Em compensação, há plásticos mais difíceis de cristalizar, comparáveis a cabelos crespos. Esses plásticos são chamados amorfos, como o PP e o PVC. Em linhas gerais, plásticos amorfos são transparentes, pois a ausência de organização permite que a luz passe sem sofrer desvios. Porém, são bastante permeáveis, pois há uma série de espaços vazios por onde gases podem passar. Caso água com gás ou refrigerantes fossem embalados em PP ou PVC, pouco depois de produzidos já começaria haver perda de gás, tornando em pouco tempo o produto "choco".

Escolheu-se então, para ser o plástico das embalagens de bebidas carbonatadas, o PET, um polímero com muita facilidade de se cristalizar, por possuir uma molécula bastante linear (semelhante a um fio de cabelo liso). Assim, a cristalinidade do PET faria com que o gás carbônico tivesse mais dificuldade de sair do que numa estrutura amorfa, retendo o gás por um tempo razoável. O desafio era então tornar esse polímero cristalino num produto final transparente.

Chegou-se a conclusão que, se fosse possível fazer um plástico com cristais (regiões organizadas) tão pequenos que a luz não os reconhecesse como obstáculo (ou seja, cristais de tamanho menor que o comprimento de onda da luz visível), o PET poderia continuar transparente. A quantidade desses pequenos cristais poderia ser controlada para que o gás carbônico ficasse aprisionado por tempo suficiente para que o consumo da bebida se efetivasse.

Para isso, seria necessário atrapalhar a cristalização do PET, o que não é fácil. Inicialmente, foi desenvolvido um novo tipo de PET, com pequenas quantidades de insumos que fazem com que a molécula perca um pouco da linearidade. É como se colocasse cachos no meio de um cabelo liso. Isso dificultou a cristalização, mas não foi suficiente.

Assim, criou-se um novo processo de fabricação. Inicialmente, num equipamento chamado de injetora, o plástico derretido (ou seja, acima de 250ºC) é cuspido num molde que é mantido frio através de troca de calor com água gelada (tipicamente 10ºC), o que dificulta a cristalização. É gerada então a pré-forma, peça parecida com um tubo de ensaio com rosca.

Numa outra máquina, chamada sopradora, essa pré-forma é aquecida acima de 80ºC (temperatura em que o PET amolece mas não derrete) e estirada, o que ajuda a cristalização. Posteriormente, é soprada como bexiga contra o molde final, também frio, e tem-se a garrafa pronta. Transparente e cristalina.

Antes até de se pensar no novo tipo de PET com menos tendência a se cristalizar, houve a necessidade de se desenvolver um PET que aguentasse o processo de sopro. O PET é um poliéster, o mais comum deles, quimicamente idêntico ao poliéster de camisas e calças. Só que o PET tipo fibra não consegue ser soprado. Assim, foi necessário o desenvolvimento de um PET com uma molécula mais comprida, que suporta o processo de sopro.

A ideia de falar de tudo isso é só para mostrar como uma simples garrafa de plástico pode representar um desenvolvimento tecnológico muito interessante. E que é uma judiação jogar um produto desse fora, após consumir o que está lá dentro. Até por ser um material bastante tecnológico, sua reciclagem é atraente do ponto de vista de propriedades finais, de modo que o resíduo de PET, a garrafa pós consumo, apresenta bom mercado para catadores. Assim, separe sua garrafa!!

Sandro Donnini Mancini (www.sorocaba.un esp.br/professor/mancini ; mancini@ sorocaba.unesp.br) é professor da Unesp de Sorocaba (www.sorocaba.un esp.br) para os cursos de graduação em Engenharia Ambiental, Mestrado e Doutorado em Ciência e Tecnologia de Materiais e Mestrado em Engenharia Civil e Ambiental. Escreve a cada duas semanas, às terças-feiras, neste espaço.