CADERNO DE DOMINGO

É preciso descanso para o cérebro não "pifar"


Descansar depois de um ano de atividades profissionais e de estudo é importante principalmente para o cérebro. Conforme o psicólogo Airton Tadeu Barros Munhoz, professor do curso de Psicologia da Universidade de Sorocaba (Uniso), todos precisam parar um pouco, para poder estabilizar os neurotransmissores. Em entrevista, o profissional comenta detalhadamente sobre a questão e deixa dicas para as pessoas usufruírem melhor de seu tempo. Confira:

CS: Por que as pessoas necessitam de férias?

Airton Tadeu: Até Deus descansou no sétimo dia, então há a necessidade de uma pausa. O nosso organismo não é preparado para tanta adrenalina. Hoje em dia as pessoas matam um leão por dia e esses estados de ansiedade, crise de pânico, são também em decorrência de intensa atividade cerebral. Então todos precisam parar um pouco, para poder estabilizar os neurotransmissores. O que falta é ter um momento para a contemplação. As pessoas, no dia a dia, estão concentradas a produzir, porque precisam atingir metas. Algumas empresas exigem isso e pressionam, inclusive. Sugiro a dedicação de 30 minutos por dia para ficar parado, vendo o tempo passar, e, principalmente, não sentir que está perdendo tempo. Hoje em dia todo mundo tem a sensação de que está perdendo alguma coisa. Antigamente o lema era "penso, logo existo", hoje é "ajo, logo existo", o que gera estafa, claro; afinal, a pessoa não para. Outro costume da atualidade é se concentrar em ser feliz apenas no final de semana, o que gera outro estresse. Então sugiro ainda que as pessoas se programem para serem felizes também numa segunda-feira. Que elas possam se descontrair durante a semana. O maior problema que vejo é a falta de planejamento, as pessoas reclamando que o ano passou rápido, então, o período que antecede o Natal, por exemplo, gera uma sensação de angústia. O final do ano é um momento de reflexão, quando se aproveita para fazer um balancete. Nesse período muitos poderão notar que as coisas estão invertidas: as pessoas trabalham muito para pagar planos de saúde caríssimos, mas não se dão conta que isso não é plano de vida e sim de doença.

CS: Há um tempo ideal para o descanso/espairecimento ou isso depende de cada um?

Airton Tadeu: A gente tem vários ciclos. Não sei se o de um ano é o ideal. O que posso dizer é que na primeira semana de férias dá um cansaço muito grande, tem gente que fica entregue, que quer dormir por mais tempo, mas o fato é que a pessoa está mais exaurida. O recomendável é que se tire 30 dias. As pessoas que respeitam seus períodos de férias, suas folgas, são as que costumam permanecer mais tempo na mesma profissão. O cérebro cansado não vai conseguir tomar decisões muito boas. Cansado a gente não consegue analisar, nem tomar decisões muito positivas, coerentes, é preciso estar descansado para ter uma produtividade. Costumo dizer aos meus clientes que o nosso organismo é como o motor de carro, se mantivermos o pé no acelerador, é claro que o motor vai fundir. Já fiz muitos atendimentos em que a pessoa relata que no começo estava um pouco ansiosa, depois não conseguia dormir, e foi desencadeando uma crise, aí veio a depressão, vai num crescente. O que acontece é que as pessoas não se reconhecem como gente, elas se vêem como se fossem uma máquina, não conhecem seus limites, seu lado humano. Então eu aconselho para as pessoas que perguntem a si mesmas por que estão vivas, qual é o sentido que querem dar para suas vidas. As pessoas estão identificadas com máquinas, computadores, e a natureza humana qual é? Para que fazemos as coisas? Para que ganhar dinheiro? Outra dica que posso dar é que três meses antes de sair em férias a pessoa precisa programar o que irá fazer, decidir a viagem... É preciso negociar com os companheiros de viagem para onde ir. Não adianta a pessoa estar cansada e logo nos primeiros dias de folga fazer um passeio que terá de andar bastante. De repente o ideal nesse caso seria uma praia, para ficar mais à vontade, deitar, descansar. Às vezes você sai com alguém que quer percorrer países, então aconselho tomar cuidado com os primeiros dias de férias, que é aquele período da exaustão.

CS: Descansar na própria cidade ou viajar, mesmo que seja para uma localidade próxima. O que pode ser mais auspicioso para repor as energias?

Airton Tadeu: Tem gente que consome viagens, que tem de ser feliz nas férias, e de repente a vida dela está concentrada nesse passeio. Imagina se não der certo. Viajar é bom, lógico, mas isso não deve ser tratado como se fosse uma obrigação, um dever, porque dessa forma a pessoa está desvirtuando o sentido das férias. Tem quem volte de férias cansado, estressado por causa disso, sintoma decorrente do distanciamento do seu eu profundo, dos seus desejos. O que mais dá saúde mental é estar conectado ao seu real desejo, aquilo que você gostaria de fazer. Então as férias ideais são aquelas quando o indivíduo dedica seus dias de descanso a fazer aquilo que mais deseja. Observo que o que tem faltado muito é o autoconhecimento, necessário para que a pessoa veja o que mais lhe agrada. Outra coisa é que às vezes a família tem opiniões divergentes, cada um quer ir para um lugar, então é preciso que haja uma negociação, um diálogo, um combinado. E se os filhos forem jovens, é preciso respeitar a decisão deles, de quererem ficar com os amigos. Às vezes ficar uma semana com pai e mãe na praia, para eles pode ser um martírio.

CS: É possível arejar a cabeça sem sair de casa ou da cidade onde mora e se sentir reenergizado?

Airton Tadeu: Tudo depende do tipo de pessoa. Tem gente que carrega a bateria no meio de um monte de gente e tem aqueles que querem ficar mais isolados, fazer suas coisas, de repente se dedicar a uma maquete... O grande barato da vida é estar com as pessoas que você ama, fazendo as coisas que você realmente gosta, como já falei.

CS: E aqueles que não tiram férias por serem autônomos ou tiram mas não desligam do trabalho? Como isso pode ser analisado?

Airton Tadeu: Isso é um problema. É como se o cérebro tivesse disjuntores e a forma de reagir é ir desligando, então ele começa a mandar mensagens depressivas, formar imagens negativas. Tem pessoas que são acometidas da síndrome de Burnout (e apresentam sintomas como dor de cabeça, enxaqueca, cansaço, sudorese, palpitação, pressão alta, dores musculares, insônia, crises de asma, distúrbios gastrintestinais). A síndrome influencia até na identidade profissional, as pessoas começam a se sentir incapazes, questionar a própria competência, e no entanto isso nada mais é que cansaço puro. Tem também indivíduos que usam o trabalho como uma defesa, para evitar se relacionarem. O seu mundo é o do trabalho. Esse tipo de pessoa tem dificuldade de lidar com coisas que mexem com sua afetividade, suas emoções. Tem gente que entra em pânico, então cria um monte de rituais para não sentir uma ligação forte com o outro. Há também os que são viciados em dinheiro e isso para eles é tão bom que é como se fosse um tipo de droga. Mas esse perfil geralmente é daquele indivíduo que quer ganhar mas não sabe gastar, usufruir. Já atendi casos que nem os filhos sabem que o pai tem tanto dinheiro e chega um momento que a família toda já passou tanto sacrifício que a pessoa nem tem como mostrar mais.

CS: Quais os benefícios mais significativos para o ser humano que se dispõe a gozar férias regularmente?

Airton Tadeu: As férias são ótimas para restabelecer a melhoria do humor, o sistema imunológico volta a funcionar bem, a pessoa raciocina melhor sobre o caminho que vai seguir... Também há a melhoria do relacionamento familiar, o respeito com o corpo. O descanso revigora as motivações e possibilita uma facilidade para planejar o futuro. A pessoa ainda pode sentir prazer com a vida. Sim, pode sentir prazer em viver. Hoje em dia todo mundo está na luta, na guerra, e se esquece que também pode ter prazer. Deus não só descansou como contemplou a sua obra no sétimo dia. (D.J.)