ESPORTES

Estrada de Ferro Sorocabana deu origem a diversos clubes pelo interior



Eric Mantuan
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Homenageada hoje, dia 30 de abril, a classe ferroviária ocupa página importante na história da prática esportiva em São Paulo. Uma das maiores empregadoras do interior paulista entre os anos 20 e 50, quando chegou a ter 17 mil funcionários, a Estrada de Ferro Sorocabana fez surgir dezenas de agremiações nas cidades onde mantinha oficinas e estações. Embora os setores sociais de algumas delas ainda existam, as lembranças principais são de seus times de futebol, que figuraram nas divisões de acesso do Campeonato Paulista e desapareceram.

 



Segundo o pesquisador Aparício Tarcitani, de 76 anos, os clubes tinham a função inicial de oferecer recreação aos funcionários da EFS, mas tomaram uma dimensão tão grande que seus quadros associativos superaram o próprio número de ferroviários -- como o Estrada de Ferro Sorocabana FC, de Sorocaba, com 7,5 mil associados, enquanto a oficina empregava 3 mil trabalhadores. "Só existia a ferrovia como posto de trabalho naquela época, então o contingente era muito grande. A partir daí começaram a surgir os sócios simpatizantes", relembra.

A formação de times de futebol, basquete e vôlei foram uma consequência imediata disso. Os atletas podiam flexibilizar os horários de trabalho na ferrovia para participar dos treinos e começaram a fazer carreira também nas quadras e nos gramados -- como os pontas Esquerdinha e Palmeirinha. "Normalmente, os ferroviários é que se transformavam em jogadores, mas aconteceu também o contrário, da Sorocabana oferecer emprego a atletas que queria ver em suas equipes", explica Tarcitani.

Enquanto alguns times formados pela EFS permaneceram no futebol amador -- como os de Iperó, Itararé, Mairinque e Itaici (Indaiatuba), outros optaram por trilhar o caminho do futebol profissional. O pioneiro foi a AA Ferroviária de Assis, entre 1949 e 1952, na divisão de acesso do Paulistão (atual Série A2). AA Sorocabana (Itu, atual Ituano FC, profissionalizado em 1955), Estrada FC (Sorocaba - 1959), CA Sorocabana (CASI, Itapetininga - 1960) e EC Ferroviário (Bernardino de Campos - 1965) seguiram o exemplo e participaram dos campeonatos da quarta, terceira e segunda divisões.

O aumento das despesas para a disputa do Paulistão e a decadência das ferrovias acabou minando as iniciativas a partir dos anos 60, e o destino de quase todos acabou sendo semelhante: o licenciamento das atividades na Federação Paulista de Futebol (FPF).

Estrada FC

A fundação do Estrada de Ferro Sorocabana FC, em 25 de novembro de 1930, com o nome de São Paulo FC -- inspirado no "xará" da capital --, coincide com a transferência das oficinas da EFS de Mairinque para Sorocaba. Na mesma época, os funcionários da ferrovia instituíram outras organizações na cidade, como a Loja Maçônica Brasil III e o Centro Espírita Fé em Deus. "Foi uma grande mudança provocada pelo contingente de pessoas", explica Tarcitani. O nome "Estrada" foi assumido em uma reunião no dia 29 de junho de 1939.

Integrante do campeonato amador de Sorocaba, o time passou a jogar a terceira divisão do Campeonato Paulista em 1959, por intermédio do então diretor Odilon Miguel, que depois ocupou o cargo de presidente por duas vezes. "A Sorocabana tinha um órgão especial que cuidava do esporte, com acesso livre na Federação Paulista de Futebol (FPF). Foi uma brecha ótima. Como jogávamos o campeonato local, cuja liga era filiada à FPF, nosso ingresso na divisão menor foi autorizado", relembra Miguel, atualmente com 86 anos.

Em 1961, o Estrada foi campeão da terceira divisão, ao vencer a série final contra o Usina São João, de Araras: goleada por 6 a 2 em Sorocaba, derrota por 2 a 1 em Araras e, no terceiro jogo, no Nicolau Alayon, em São Paulo, o título foi conquistado com vitória por 3 a 2. O acesso reeditou, na Divisão Intermediária, uma grande rivalidade que, segundo Tarcitani, dividia Sorocaba em azul e vermelho no futebol amador. "O pessoal do Além Ponte era são-bentista, e o pessoal da Vila Santana torcia para o Estrada. Quando ia acontecer um dérbi, o preparo era muito grande, assim como a expectativa e a gozação de quem vencia". Com o título e consequente acesso do Azulão para a Divisão Especial naquele ano, os adversários nunca mais voltaram a se cruzar no estadual.

O dérbi ainda aconteceria de forma amistosa até 1967, ano em que o Estrada se licenciou do futebol profissional. O clube ainda teve papel de destaque no basquete, quando realizou excursões internacionais, e em eventos como o Baile da Primavera e a Páscoa dos Ferroviários. "Chegamos a reunir 17 mil pessoas no estádio Rui Costa Rodrigues -- que é construído utilizando trilhos de trem -- em um verdadeiro congresso eucarístico", comemora Odilon.

Hoje, a agremiação mantém-se ativa pelas parcerias para a ocupação de seu estádio, na Rua Aparecida; nos bailes na sede social, na Rua Álvaro Soares; nas equipes de esporte amador, como a malha; e nas lembranças de quem viveu seus tempos de ouro. "Ser estradista até hoje é viver de saudade. Temos que viver a memória do Estrada para que ele nunca se desfaça", declama Tarcitani, segurando nas mãos, como um troféu, a bola de Estrada 2 x 0 América, em 5 de abril de 1964, quando o time acabou com a invencibilidade do Diabo na Intermediária.