Saber ouvir opiniões distintas começa na vida real
As redes sociais, atualmente, são espaços de interação. Uma forma de relacionamento que pode ser vista de algumas maneiras. Dá a sensação de estarmos mais ligados às pessoas e a um mundo sem fronteiras. Mas esta conexão acontece de modo mais superficial. Tudo é visto, lido, escrito e, em pouco tempo, já há algo novo e mais atual.
Sem sombra de dúvidas, há benefícios. Pessoas perdidas ao longo da vida se reencontraram. Acompanhamos os que estão distantes e temos possibilidades de trocar mensagens, compartilhar saberes e fazeres. Quando as redes sociais são utilizadas para diálogos mais complexos, por se tratarem de temas mais polêmicos, me parece que este espaço de comunicação acirra as divergências e não cuida do que está realmente em questão. A arte de saber ouvir opiniões distintas e, mesmo assim, considerá-las, passa por um exercício que acontece, primeiramente, na convivência, em tempo real.
Já tem um tempo que as redes socais se tornaram um local para discussões politicas. A percepção de cada um se dará a partir de suas histórias e valores. A leitura que fazemos do mundo conta sobre nós e como vivemos nossas experiências. Para que seja possível o encontro entre as pessoas, preservando o respeito pelas opiniões diversas, as redes precisam ser vistas e utilizadas com outras dinâmicas.
Os sentimentos de injustiça e desvalia são um ponto central nas experiências relacionais neste momento do mundo e, em especial, no Brasil. E se as situações forem analisadas, por meio dos fatos, são legítimos estes sentimentos.
Há um transformação em curso. O adoecimento de muitas pessoas mostra o tamanho das violências praticadas, das formas mais explícitas às mais sutis.
A questão não é ditar o certo e o errado. Antes disso, é aprender, de maneira sistemática, a dialogar. São décadas de monólogos. Uns poucos que falam para muitos e que devem responder com obediência. As relações entre as pessoas, nas instituições e no convívio social não suportam mais este formato.
As redes sociais, neste sentido, dão vez e voz a todos, criando um local onde todos são autores de suas ideias e não precisam passar por um crivo editorial sobre suas percepções e opiniões. No entanto, não cuida da preparação necessária que uma pessoa precisa ter para dialogar de fato: escutar, acolher, respeitar a liberdade de expressão, não julgar, buscar apresentar seu sentimento e não confrontar com o outro, em uma disputa por quem tem mais razão. Quando as pessoas postam suas opiniões precisam estar abertas a ouvir posições distintas às suas.
Em um momento de crise e de caos, onde as opiniões são expressas, muitas vezes, sem o devido cuidado, e trazendo raivas e indignações contidas, cria-se uma ambiente fértil para que o mais provável ocorra: desencontros de diferentes níveis, chegando-se a situações graves de desentendimento.
Neste sentido, este espaço virtual frágil de interação passa a ser um local de explosões de raiva, com pouca função de encontro. E, também, de poucas possibilidades para que um efetivo diálogo se estabeleça, utilizando as ferramentas necessárias para transformar uma conversas desencontrada em um aprendizado sobre o que o outro pensa e acredita. A escuta empática é fundamental neste processo. Isto exige um exercício contínuo e que deve ser vivido como escolha de se relacionar antes de nas redes, na vida real.
Penso que se temos os espaços virtuais e estes fazem parte de nossas vidas, o convite deve ser então: 1. usá-lo com a consciência que suas opiniões podem e devem ser diferentes; 2. que o compartilhamento de opiniões deve seguir uma ética responsável pelo que se dissemina; 3. que o mais valioso neste exercício é aprender a "ouvir" o outro com o mesmo acolhimento que também se espera com aquilo.
Monica Mumme é psicóloga e diretora do Laboratório de Convivência, empresa de consultoria voltada à paz, a justiça social e a ética nas relações