Pessoas com deficiência ainda têm dificuldade no acesso à Educação
Formado em duas faculdades, Educação Física e Nutrição, e pós-graduado em Nutrição Esportiva pela USP, ele é ainda fisioculturista, vice-campeão de jiu-jitsu, mergulhador e ciclista de tuning - modalidade da mountain bike com dois lugares. Tudo isso demonstra esforço e dedicação nos estudos e treinos, mas nesse caso a luta é em dobro, já que Alexandre Gonzales, hoje com 41 anos, é cego. Apesar de tantas leis sobre a inclusão, conseguir se formar não foi nada fácil para ele, que teve até mesmo a prova de vestibular adulterada, pois a faculdade não queria ter um deficiente visual entre seus estudantes. Agora Alexandre comemora a publicação de outra lei, de número 13.146/2015, que entrou em vigor este ano. A esperança é que desta vez não seja letra morta.
A Lei Brasileira de Inclusão, também chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, que está valendo desde o dia 2 de janeiro de 2016, prevê punições para atitudes discriminatórias. A nova norma faz coro a pelo menos 27 determinações, desde a Constituição de 1988, passando pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a LDB, de 1996, e pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de 2008.
Entre as determinações da nova lei, está a oferta de serviços e recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena, como por exemplo disponibilizar um tutor para acompanhar a pessoa com deficiência. A principal conquista dessa publicação é garantir que as instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, não cobrem valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento das determinações.
Ana Regina Caminha Braga, psicopedagoga e especialista em educação especial e em gestão escolar, afirma que há alguns anos o Brasil luta pela implementação de políticas públicas, entre elas leis, planos e diretrizes, com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino para as pessoas com deficiência que estão ou deveriam estar na escola. "Isso nos preocupa como educadores porque vemos que as leis não são cumpridas da maneira como deveriam e não aceitar essas regras nos remete a uma oposição daquilo que tudo que vem sendo falado sobre a igualdade".
De acordo com Ana Regina, o Brasil tem um histórico de não pertencimento das pessoas com deficiência na sociedade. "Só a partir de um determinado momento é que conseguimos inserir esse público nas escolas, igrejas, etc.", observa.
Ao mesmo tempo que o sistema educacional luta por um lado para que todos tenham igualdade, a psicopedagoga diz que por outro lado a escola não está preparada e nem afinada com esse momento histórico. "Estudar e conseguir se formar é importante não apenas para adquirir conhecimento, mas também para a autoestima das pessoas, e principalmente das que têm deficiência, justamente por terem maior dificuldade ao acesso à Educação", diz.
A primeira barreira é interna. A força de vontade é indispensável
Gonzales, citado no início desta reportagem, conta que desistiu de estudar aos 18 anos, na mesma época em que iria tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), sonho de quem chega nessa idade. Ele lembra que durante as aulas práticas no veículo, percebeu que estava com problema na visão. Nesse momento descobriu que a doença, sem cura, o deixaria cego em pouco tempo. Entrou em depressão e não saía mais de casa. A única coisa que ainda motivava Alexandre era fazer musculação. Precisou vencer o desânimo, o preconceito contra si mesmo e a vergonha de tropeçar diante dos outros para dar a volta por cima, mas quando resolveu retomar os estudos, veio outro baque: teve a avaliação adulterada por uma faculdade de Sorocaba, pois não queriam um cego estudando lá. Foi aí que soube, na pele, que o direito à Educação, garantido por lei, nem sempre é respeitado. "Fiquei mal com isso, mas resolvi que dessa vez não iria desistir", disse.
A lei 7.853, de 1989, define como crime recusar, suspender, adiar, cancelar ou extinguir a matrícula de um estudante por causa de sua deficiência, em qualquer curso ou nível de ensino, seja ele público ou privado, com pena de um a quatro anos de prisão, mais multa. "Entrei com processo e tudo na época", afirma.
Graças à sua força de vontade, Alexandre prestou vestibular em outra faculdade e por fim se formou. Primeiro em Educação Física e depois também fez Nutrição.
O fisioculturista comenta que até identificarem a doença, teve de passar por diversos oftalmologistas, mas ninguém descobria o que tinha. "Passei um ano fazendo exames e não achavam. Em São Paulo é que um médico viu que se tratava de problema na retina e aconselhou a procurar onde estava mais avançado nessa área na época, em Boston, nos Estados Unidos", lembra.
O diagnóstico veio, por fim: retinose pigmentar. Gradualmente Alexandre foi perdendo a visão e aos 28 anos atingiu os 5%, que se manteve até os dias de hoje. "Só consigo ver vultos", diz.
Na época que soube da doença, Alexandre estava no 2º ano do colegial (hoje ensino médio). "Eu já tinha repetido o primeiro ano e provavelmente porque não enxergava o que estava anotado na lousa".
Aos poucos, com ajuda da terapia, ele afirma que foi melhorando os pensamentos e as decisões. "Aí meu pai me disse que eu não iria ficar sem estudar ou trabalhar, então eu deveria escolher. Primeiro decidi então que iria trabalhar. Foi assim que tive uma das primeiras lojas de suplementos esportivos para treino em Sorocaba".
Quando amadureceu mais, sentiu que faltava algo em sua vida, que não estava completo e percebeu que era a necessidade de estudar. Na faculdade, Alexandre não tinha tutor, então contava com a ajuda de amigos e de um gravador. "Gravava as aulas e a prova era oral", relata.
Hoje pós-graduado em Nutrição Esportiva pela USP, Alexandre afirma ter orgulho em atuar nas áreas em que é formado. "Trabalho como nutricionista esportivo, monto treinos e dietas e pretendo também fazer palestras para contar para as pessoas a minha história de superação e motivar mais gente", diz.