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Por que o Brasil não ganha o Nobel?


A definição pela Academia Sueca da escolha do colombiano Juan Manuel Santos para o prêmio Nobel da Paz lança mais uma vez a pergunta que não quer calar: por que o Brasil não tem um prêmio Nobel?
 
Habitualmente o Nobel é criticado pelos seus critérios nem sempre técnicos ou estéticos, às vezes políticos. Houve tempo em que autores soviéticos, quando se tornavam dissidentes daquele regime, tinham grandes chances de ganharem o prêmio. E vários deles foram premiados com o Nobel de Literatura, de Boris Pasternak (1958) a Mikhail Sholochov (1965), de Alexander Soljenitsin (1970) a Joseph Brodsky (1987), todos herdeiros da grande literatura russa do século 19.
 
Por essas razões, o Nobel de Literatura acertou várias vezes, mas errou tantas outras vezes. Acertou, por exemplo, quando premiou o colombiano Gabriel Garcia Márquez (1982), o peruano Mario Vargas Llosa (2010) e os norte-americanos Ernest Hemingway (1954) e William Faulkner (1947). E cometeu erros feios nos momentos em que ignorou os argentinos Jorge Luís Borges e Júlio Cortázar e o russo Leão Tolstói, o autor do clássico Guerra e paz.
 
Certamente, nas outras categorias do prêmio (Paz, Economia, Medicina, Física), outros acertos foram alcançados e outros erros também aconteceram. Os membros da Academia Sueca são gente como a gente e a linha que divide o certo e o errado é tênue demais para ser garantia de alguma coisa.
 
Apesar das controvérsias, o Nobel ainda é um prêmio de grande prestígio, capaz de chamar a atenção para uma área de atuação humana, para um país, para uma língua, para uma cultura. Concedido desde 1901, países como os EUA, Inglaterra, França, Alemanha, acumulam vários ganhadores do Nobel.
 
Diriam que a Academia Sueca privilegia culturas desenvolvidas. Mas esse argumento cai por terra diante de países como a pequena Guatemala, que tem o Nobel de Literatura de 1967, Miguel Angel Astúrias. E o Chile tem dois nomes, Gabriela Mistral (1945) e Pablo Neruda (1971). Além de autores do Egito, Trinidad e Tobago, Niguéria, Índia, que também estão na lista dos ganhadores.
 
Diriam que há uma preferência pela língua, pois os países de línguas inglesa, francesa, alemã e espanhola abocanharam grande parte do Nobel. Mas também há autores de Israel, da Nigéria e até mesmo um português, José Saramago (1985), que ganharam o prêmio.
 
Então, por que o Brasil está fora dessa lista? O físico César Lattes (1924/2005) mereceu ganhar o Nobel de Física de 1950, mas seu nome foi ignorado pela Academia Sueca. Outro brasileiro, o arcebispo Dom Helder Câmara, esteve perto de ganhar o Nobel da Paz, mas diz a lenda que o governo da ditadura militar teria enviado um emissário à Academia Sueca para "queimar o filme" do religioso. O "crime" de Dom Helder era ser crítico da ditadura ao ponto de ser rotulado como "o bispo vermelho do Brasil".
 
O caso do zoólogo Peter Madwar é incrível. Nascido no Brasil (Rio de Janeiro, em 1915), filho de mãe inglesa, tinha dupla cidadania: brasileira e inglesa. Viveu no Brasil até os 14 anos, quando sua família se mudou para a Inglaterra. Ao solicitar no Brasil a dispensa do serviço militar para continuar os estudos no exterior, o pedido lhe foi negado e, mesmo assim, ele viajou. E, por conta disso, sua cidadania brasileira foi cassada. Anos depois, em 1960, ele ganhou o Nobel de Medicina e o prêmio foi catalogado para a Inglaterra.
 
Na história, dois autores recusaram o Nobel de Literatura: o irlandês Bernard Shaw (1925) e o francês Jean-Paul Sartre (1964). Esnobaram o prêmio mais prestigiado do mundo. Acharam que não precisavam da honraria, e tinham razão. Suas obras continuam vivas, independentemente do prêmio.
 
Há quem diga que a falta de um brasileiro na lista de ganhadores do Nobel reflete o descaso dos governos brasileiros com a cultura e a educação. De fato, a fuga de cérebros para o exterior é uma tradição perversa para o País. Basta recordar que, no último ranking publicado pela Times Higher Education, nenhuma universidade latino-americana figurava entre as 200 melhores do mundo. A mais bem avaliada é a USP, em 225º lugar, e que atualmente amarga uma das piores crises de sua história. Até mesmo o crescimento do número de matrículas nas universidades brasileiras, nos últimos anos, não acompanhou as demandas por qualidade de ensino e formação de professores. Ao contrário, o conjunto de precariedades levou as figuras das greves e da carência de materiais aos itens do calendário de estudos.
 
No campo da Literatura, o baiano Jorge Amado mereceu ganhar o Nobel. Outros nomes merecedores foram Giuimarães Rosa, Graciliano Ramos, os poetas Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Entre os vivos, o destaque é Dalton Trevisan. Mas Paulo Coelho aparece todo ano na bolsa de apostas com mais chance, por ser campeão de vendas e ser mais conhecido no exterior.
 
Anteontem, o Nobel foi concedido ao cantor e compositor Bob Dylan. Surpresa total. Ótima surpresa. Artista, grande poeta, ídolo da cultura pop. Talvez essa novidade abra um precedente para que os próximos ganhadores sejam cineastas, pintores, escultores. Artistas que também fazem narrativas, com a diferença que usam linguagens diferentes. Melhor o prêmio ir para um artista do que para um político, como já aconteceu: Wínston Churchill, o líder britânico que enfrentou o nazismo, recebeu o Nobel em 1953.
 
Então, por que o Brasil não tem um Nobel? Talvez porque, para muitos brasileiros, o prêmio não faça nenhuma diferença. Talvez porque nós, brasileiros, não tenhamos esse merecimento. Ou talvez porque os membros da Academia Sueca não compreendam os fenômenos estranhos que acontecem aqui e façam questão de ignorar nomes de personalidades nascidas no Brasil.