ARTIGOS

As abelhas estão declinando. E daí?


Alexander Vicente Christianini

Um estranho fenômeno tem acontecido ao redor do mundo. O número de colônias de abelhas tem caído. Apenas nos Estados Unidos as estimativas indicam um declínio de até 70% no número de colmeias desde 1945. Algo semelhante aconteceu na Europa, na Ásia, Austrália e também no Brasil. Mas e eu com isso, você deve estar se perguntando. Bom, o declínio das abelhas é uma dessas coisas que podem até passar despercebidas, mas que tem enorme impacto na nossa vida. Se não houver abelhas, quem vai polinizar nossas plantações? Não por acaso, o aluguel de colônias de abelhas tem se tornado um bom negócio nos Estados Unidos.

Estima-se que um terço de toda produção agrícola dependa diretamente da polinização por abelhas. Sem abelhas para transportar o pólen os agricultores ficariam na dependência de contratar funcionários para remover os grãos de pólen de cada flor com um pincel e depositá-los com cuidado no estigma de outra flor. Cuidando, claro, para que o pólen fosse transportado entre plantas diferentes, já que muitas flores não formam frutos se o pólen é proveniente da mesma planta. Imagine a quantidade de mão de obra, custo e tempo necessário para isso. O valor econômico da polinização por abelhas foi estimado em 577 bilhões de dólares anualmente. Um valor que faria o atual debate sobre o ajuste fiscal no Brasil parecer coisa de criança. Pois as abelhas fazem este serviço de graça. Esse é um exemplo dos chamados serviços do ecossistema, um processo natural que indiretamente beneficia as atividades humanas, neste caso produção de alimentos. Outros exemplos de serviços do ecossistema incluem a oferta e purificação natural da água, a recarga de aquíferos, formação e conservação do solo, controle natural de pragas e mosquitos transmissores de doenças por aves, sapos e insetos predadores destas pragas, etc.

Quando se fala em abelhas logo lembramos da abelha comum, europeia ou africanizada. Essas abelhas não são nativas e foram trazidas ao Brasil especialmente para produção de mel. Além delas, temos muitas abelhas nativas (como jataís e arapuás) que, ao contrário da abelha comum, não possuem ferrão. E também as mamangavas em geral solitárias, grandes e "peludas". Além das abelhas outros polinizadores nativos frequentemente esquecidos, mas igualmente importantes, incluem borboletas, mariposas, besouros, moscas, vespas, beija-flores e até morcegos. Assim como as abelhas várias destes polinizadores estão em declínio.

A razão para o declínio parece envolver vários fatores simultaneamente. Parte do declínio dos polinizadores tem a ver com nosso modo de vida e de produção de alimentos. Para produzir nossa comida mudamos os ambientes naturais. Substituímos a floresta e o cerrado por extensas plantações em monoculturas. Estas mudanças por um lado retiraram o ambiente natural de muitas abelhas e eliminaram os seus locais de abrigo e reprodução, incluindo árvores mortas e troncos caídos. Além disso, monoculturas extensas criaram paisagens onde só há flores em um curto período do ano durante a produção do cultivo.

Para encontrar outras fontes de comida na quantidade necessária, as abelhas precisam se deslocar muito mais, gastando mais energia na ida e volta de suas colônias. Temos também empregado pesticidas demais na agricultura (o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos) e muitos deles são daninhos para as abelhas e outros insetos. Outras ameaças incluem um possível aumento de parasitas nas colmeias e mudanças climáticas globais. Temos alternativas? Empregar cada vez mais bases ecológicas na produção de alimentos e controle de pragas na agricultura, incentivar cultivos orgânicos e participar de campanhas que exijam a proteção dos polinizadores. Os animais ganharão com isso. Nós também.

Alexander Vicente Christianini é professor do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) - campus Sorocaba