SOROCABA E REGIÃO

'Todos podem aprender a detectar a mentira', diz especialista


O interesse do professor e administrador José Maurício Dell"Osso Cordeiro, 63, pela comunicação não verbal começou há mais de 30 anos, quando ele era gerente no Banco do Brasil. Sem conhecer um cliente, apenas por observar sua imagem num primeiro contato, ele conseguia saber se estava ali alguém que iria pagar um empréstimo ou não. E, com sua intuição, quase sempre acertava, mesmo que o cadastro do cliente indicasse o contrário. Curioso para conhecer os mecanismos que influenciam nesse tipo de "leitura", Dell"Osso passou a pesquisar um tema ainda hoje pouco difundido no Brasil: a comunicação não verbal. E se especializou em compreender a linguagem dos gestos, das expressões, das posturas e de uma série de elementos que, analisados em seu conjunto, podem indicar se uma pessoa está dizendo a verdade ou se está mentindo. Conforme o especialista, toda pessoa possui o dom de detectar a mentira, por meio da intuição. Já disfarçar a mentira é mais difícil. Até mesmo políticos experientes costumam emitir sinais de que não dizem a verdade. Por isso, revela Dell"Osso, Brasília se tornou a capital nacional de botox para homens.

Como é definida a comunicação não verbal?

Existe um estudo que diz que apenas 7% da comunicação estão nas palavras. Os outros 93% da comunicação não são palavras. Tem 38% que é a parte verbal, como o tom de voz, as pausas, a articulação das palavras, as ênfases que a gente faz, e 55% seriam praticamente gestos, posturas, que é a linguagem do corpo propriamente. Quando a gente ainda não sabe falar, quando ainda é bebê, a gente aprende até a mentir sem falar. Nós sabemos nos comunicar sem precisar das palavras. O bebezinho chora por manha, pra pegarem ele no colo, e isso já é uma mentira. A partir do momento em que a gente entra em uma escola e aprende o uso da palavra, começa a acreditar que a comunicação está só na palavra. E aí a gente esquece um pouquinho dessa parte corporal.

Você falou em bebês. Sem querer comparar, animais também mentem?

Sim, todos os animais mentem. Não necessariamente no que a gente entende como mentira, mas, às vezes, numa demonstração de força e de poder. Para definir quem é o chefe de uma matilha, de uma manada, existe primeiro um enfrentamento que não envolve briga. Os leões, por exemplo, se enfrentam primeiro com o rugido. Quem rugir mais forte é o vencedor. Quando os dois rugidos se equivalem, pode ser que haja um confronto. E nós humanos somos iguaizinhos. Se um sujeito grandão, com voz grossa, fala para alguém: "O que foi? O que tá olhando?", o outro diz: "Não, não é nada." Agora, se os dois são mais ou menos do mesmo tamanho, pode ser que ocorra um conflito.

Mesmo para quem não conhece essas técnicas que você estudou, pode-se dizer que a intuição funciona? Deve-se dar crédito a ela?


Sim, totalmente. A intuição é verdadeira. Um exemplo comum é quando um amigo pergunta para o outro: "Como é que está, tudo bem?" O outro fala: "Sim, tá tudo bem." Mas o amigo fala: "Não, não está tudo bem. Eu estou percebendo pelo seu tom de voz que você não está bem." E essa pessoa nunca estudou nada. Isso é intuição. Não precisa de estudo.

Mas você está citando exemplos de pessoas que se conhecem bem. Entre estranhos a intuição também vale?

Também. Mesmo sem conhecer, sem ter proximidade, as pessoas têm a intuição de que o outro está falando a verdade ou está mentindo. Nós não precisamos de proximidade. Basta a imagem. Logicamente, se você conhece bem uma pessoa e nota um comportamento diferente, é muito fácil perceber. Mas se você não conhece a pessoa, alguns detalhes da comunicação não verbal podem dizer para o seu subconsciente que aquilo que ela diz não é verdade. E isso todo mundo tem. Mas a gente não acredita na intuição.

Quais as aplicações práticas do conhecimento da comunicação não verbal?

Esses conceitos são utilizados em negociações, vendas, atendimento ao público. O marketing utiliza muito dessas informações. Para o jornalista, e principalmente para o jornalista investigativo, é muito importante saber reconhecer se a pessoa está mentido em alguns pontos. Ao perceber que o entrevistado está mentindo, o entrevistador insiste naquele caminho, pois é por ali que ele vai conseguir encontrar alguma verdade. Quem mente, como um mágico, procura criar distrações. Se você simplesmente escuta a versão da pessoa, e não presta atenção em onde está a mentira, você pode ser enganado.

Isso funciona com qualquer pessoa?

Isso funciona com quem sabe que está mentindo. Quando a pessoa acredita na mentira, a ponto de sentir como se estivesse falando uma verdade, você não consegue captar. Se o cara é meio louco e inventa uma história na qual ele acaba acreditando, você não detecta mais a mentira. A mentira só é detectada quando há uma contradição entre o que a pessoa pensa e o que ela fala. Aí surgem os sinais.

E que tipos de sinais são esses?

Há sinais de olhar, sinais de movimentos de mãos e de pés, de inclinações de corpo, de entonação da voz, de acréscimo de detalhes. O excesso de detalhes para explicar uma coisa que não precisaria de tantos detalhes pode caracterizar uma mentira. Expressões faciais, o lado que a pessoa olha. Se a pessoa olha para a direita ou para a esquerda, é possível saber se ela está lembrando de um fato para contar pra você ou se ela está criando um fato para enganar você. Isso é utilizado em interrogatórios pela Polícia Federal e faz total diferença. Não precisa mais nada, é só observar. E a pessoa não comanda, ela não consegue controlar para que lado ela vai olhar.

Se a pessoa sabe que está sendo interpretada e quer despistar, ela consegue?

Bem treinado, consegue. Mas a pessoa comum se trai. E tem outra coisa que é muito interessante. Todos já ouviram falar dessas "máquinas da verdade", os chamados detectores de mentira. Isso é uma bobagem. Essas máquinas são uma extensão, um registro de coisas que você percebe, mas não tem como provar. Elas registram sinais como alterações da voz, ou do batimento cardíaco, da pressão arterial, entre outros. E aí você tem uma prova.

E isso é aceito como prova?

Sim, é aceito como prova. Mas o que eu posso dizer é que o ser humano é muito mais capaz de detectar uma mentira do que um detector de mentiras. Ele só não tem como provar. E o detector de mentiras registra alguns desses sinais. Vou dar um exemplo de uma coisa que a máquina não faz: saber se um sorriso é falso ou verdadeiro. E o ser humano sabe quando um sorriso é amarelo, pequeno, grande, falso ou não. Tem tantos músculos nesta região do rosto, e eles denotam a emoção. A região em que mais aparecem as emoções é a região entre o nariz e os lábios. E algumas pessoas, para esconder essa informação, deixam crescer o bigode. Para esconder, para parecer mais adulto.

Nem todos os políticos usam bigode.

Hoje eles dispensam o bigode porque existe o botox. Brasília é a capital de botox para homem. Eles fazem botox na parte acima do lábio, para que os observadores não percebam nenhum reflexo se eles estão gostando ou não de uma coisa, de uma situação. Se você observar um político, você vai ver que esta parte acima da boca não se move. Ele fala coisa boa, fala coisa ruim, e essa parte não mexe. É como se tivesse um bigode artificial, só que é feito pelo botox.

Você diria que no mundo político hoje já está disseminado esse conhecimento da comunicação não verbal?


Não, não está. E se você prestar atenção nas campanhas políticas, vai ver sinais de negação quando o político diz que está fazendo alguma coisa pelo povo, por exemplo. Ele fala que está fazendo pelo povo e ao mesmo tempo a cabeça dele diz que não, ela nega. É só prestar atenção, é muito simples.

É muito difícil mentir, então.

Eu diria que é impossível mentir. A não ser que a pessoa escolha uma história na qual consiga falar a mesma coisa por insinuações. O brasileiro aceita muito isso. Nós, brasileiros, entendemos as entrelinhas, fazemos inferências no que a pessoa falou. Então, aqui no Brasil, é mais fácil para o político mentir, porque ele não precisa falar textualmente uma coisa. Ele faz um caminho que ele pode afirmar, e que as pessoas vão inferir que ele está falando outra coisa. Ele afirma, por exemplo: "Eu nunca pus a mão nesse dinheiro", o que pode ser uma verdade. Ele pode ter recebido o dinheiro via depósito bancário, lá na Suíça, e jamais ter colocado a mão nele. Então fica mais fácil de enganar. Ele diz uma frase assim e as pessoas entendem que ele não recebeu nenhum dinheiro. Já se a pergunta for direta: "O dinheiro é seu?", e ele responder que não, aí ele é obrigado a mentir, e os sinais aparecem.

O político, por natureza, é meio ator, não é? Por exemplo, o Collor de Mello. Ele tinha um domínio dessa linguagem corporal.

Ele tem. Muitos políticos têm um carisma forte e usam desses meios de expressão para convencer. Se analisarmos o tom de voz do Hitler, por exemplo, a expressão, os gestos, são gestos fortes, de guerra, de liderança, motivadores para o bem e para o mal. Política é a arte de viver na polis (cidade). Política todos nós fazemos. E normalmente quem chega no poder são pessoas bem articuladas em como falar. Mesmo com sinais de mentira, elas conseguem enganar muita gente. Têm um poder de carisma, às vezes, que faz com que sejam tidas como pessoas de visão.

Aí entra também o marketing eleitoral.

Os profissionais de marketing político ajudam a construir uma imagem. Políticos com mangas arregaçadas durante a campanha, com paletó nas costas. Isso é imagem. Outra coisa: político não pode usar terno marrom. O marrom é uma cor de trabalho. E não se espera que um trabalhador seja presidente. Espera-se um estadista. Então, às vezes, basta mudar do paletó marrom para o paletó azul-marinho ou preto, e já é suficiente para que alguém que tenha tentado várias vezes ser presidente, sem sucesso, ser eleito. Isso é marketing político e linguagem não verbal.

Muitos dos nossos relacionamentos com as pessoas estão alicerçados em pequenas mentiras. A mentira é necessária?

Sim, as mentiras são necessárias para o convívio social. Vou dar um exemplo. A mulher chega para o marido e pergunta: "Benzinho, este vestido me deixa gorda?" Se ele falar: "Não é o vestido que te deixa gorda, vocé é que é gorda", acabou o casamento. Então ele fala: "É, pode ser, deixa um pouquinho. É melhor você usar outro..." Nos relacionamentos existem muitas mentiras. Na sociedade, só é permitido às crianças e aos loucos falarem a verdade, porque ninguém dá atenção. Por isso, no antigo teatro, sempre existia o louco, que fazia críticas ao rei, porque só o louco podia fazer.

Se todos conhecessem os sinais da linguagem não verbal, o que aconteceria?


Muita coisa. Nós perderíamos muitas amizades e talvez alguns casamentos fossem desfeitos. É muito fácil para uma mulher, por exemplo, se ela conhecer essas técnicas, saber se o marido está traindo.

Pode haver casos em que a intuição diz uma coisa, mas a pessoa não quer acreditar.


Não quer acreditar ou se convence assim: pode ser que eu esteja me enganando, porque ele sempre foi gente boa. O ser humano é muito interessante. Nos primeiros 30 segundos de contato com uma pessoa, você forma um conceito daquela pessoa, se ela é de confiança ou não. É a primeira visão, é amor ou aversão à primeira vista. E você passa o resto da vida tentando provar aquilo para todos.

E por que isso ocorre? Qual a importância da primeira impressão?

Sobrevivência. Eu preciso saber, com as únicas informações que eu tenho, que são a visão de outro ser humano, se ele me oferece perigo ou não, se ele vai ser meu amigo, se ele vai me trair, se ele vai me prejudicar.

Isso é uma herança genética?

Sim, genética. Instinto animal, que vem do homem das cavernas. E se você pensar que o homem é o único animal que tem o fundo do olho branco e a parte escura do olho que se movimenta, você percebe que isso serve para dar sinais, para melhorar a comunicação, para aumentar a sobrevivência. A existência de sobrancelhas que você pode apertar, levantar, é para aumentar a comunicação sem precisar fazer barulho. Quem domina a comunicação tem mais chances de sobreviver neste mundo.