Psicanalista comenta "Freud além da alma" (parte 1 de 2)
Nildo Maximo
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Na semana passada escrevemos que certos filmes são especialmente didáticos na exposição de conceitos de psicologia e apresentamos o Meu tio da América, dirigido por Alain Resnais. Hoje e na próxima sexta-feira, exibiremos Freud além da alma, dirigido por John Huston em 1962. Hang-Ly Ikegami Rochel, psiquiatra e psicanalista da International Psychoanalytical Association, comentará o filme com o objetivo de esclarecer para o leigo os mais importantes conceitos psicanalíticos de Sigmund Freud (1856-1939).
Inicialmente, convém esclarecer que o filme contém muitas discordâncias com a realidade da vida de Freud e dos passos dados por ele para desenvolver as noções fundamentais da sua teoria psicanalítica. Mas, as alterações dos fatos efetuadas por Huston foram úteis sob o ponto de vista pedagógico porque possibilitam ao espectador ter acesso às ideias do "pai da psicanálise".
Já na abertura, o narrador diz que o filme mostrará o caminho percorrido por Freud para iluminar uma região da nossa mente tão escura quanto o inferno: o inconsciente humano, que funciona em segredo e governa nossas vidas. Para relatar como Freud empreendeu essa viagem ao inconsciente, Huston abordou o período da sua vida que vai de 1885 a 1905. Foi durante esses vinte anos que ele começou a descobrir o funcionamento mental e iniciou o desenvolvimento dos principais conceitos da psicanálise que seriam amadurecidos a partir da década de 1920: influência das experiências infantis na personalidade, de modo que os padrões que se formam na infância acabam se repetindo durante a vida; fundamentos psíquicos das fantasias, dos sonhos, dos erros e lapsos na vida cotidiana; causas psicológicas de um grande número de doenças; a existência da sexualidade infantil, do simbolismo inconsciente e muitos outros.
Já no início do filme, assistimos ao conflito de Freud com a classe médica vienense sobre o modo de entender a histeria. A histeria é uma neurose, isto é, uma doença nervosa cujos sintomas simbolizam um conflito psíquico de origem infantil. Na histeria, esses conflitos psíquicos inconscientes são simbolizados por meio de sintomas corporais como ataques ou convulsões, paralisias, cegueira. Uma cegueira como sintoma histérico faz que o indivíduo não enxergue, embora sua pupila se dilate ou contraia de acordo com a intensidade da luz. Este fato levava os clínicos a suporem que aquele distúrbio visual era simulado.
O médico e cientista francês Jean-Martin Charcot era a grande autoridade da histeria na Europa e Freud se dirige a Paris para assistir a um curso ministrado por ele. De volta a Viena, conhece o médico austríaco Josef Breuer e sua paciente Cecily, portadora de vários distúrbios histéricos, como cegueira, paralisia, recusa de comer e beber. Os conceitos de Breuer sobre a histeria influenciaram Freud, mas as idéias deste sobre a sexualidade como origem das neuroses acabou afastando os dois cientistas.
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Continua na próxima semana