Gastronomia ganha mais espaço e conquista adeptos em Sorocaba
Com a popularização da gastronomia, a arte de cozinhar se torna cada vez mais objeto de desejo e profissionalização. Sorocaba experimenta a expansão dos cursos de especialização e oficinas, além de abrigar, desde 2005, uma formação superior de tecnólogo em gastronomia. Já a regulamentação da profissão ainda está em tramitação no Congresso Nacional. A glamorização do título de "chefe de cozinha" é promovida em reality shows de competição culinária e até mesmo em programas que acompanham a rotina dessas novas estrelas. Nos comerciais de televisão, capas de livros, em perfis de redes sociais com milhões de seguidores e em produtos que invadem as prateleiras, os chefes de cozinha ganham ares de celebridades. Porém, os profissionais da área alertam: a rotina real das cozinhas envolve muito trabalho, pouco glamour e requer uma paixão feroz pelo ofício.
"Você trabalha doze horas por dia em pé", conta a coordenadora do curso de Gastronomia da Universidade de Sorocaba (Uniso), professora Maria Ângela Severino. A remuneração também é modesta para os que estão começando, um cozinheiro tem como salário inicial de R$ 1.200 a R$ 1.600, mas varia muito já que não há regulamentação da profissão. O sonhado prefixo "chefe", é um título dentro da hierarquização da profissão e não necessariamente é o destino de todos os profissionais formados em gastronomia. A professora explica que é possível atuar em consultoria, elaboração de cardápios, desenvolvimento de produtos para grandes indústrias, entre outras funções.
Maria Ângela recorda que os primeiros alunos de gastronomia do País eram profissionais que já atuavam na área, o que acabou mudando. "Hoje o perfil do aluno de gastronomia é muito variado", explica. Jovens que acabaram de sair do ensino médio, pessoas que possuem outras profissões e tem na gastronomia um hobby e ainda profissionais que já estão na área, buscam a graduação. Formanda de 2012 na Uniso, Eliane Pescosta, já possuía experiência em cozinhas quando optou pelo curso e acredita que a formação foi uma experiência essencial. "O curso pôs em cheque muita coisa que eu achava que sabia. Em casa fazemos as coisas sem pensar muito. Por que a gente refoga o arroz antes de colocar água? Tudo tem um motivo e no curso aprendemos os porquês", diz. A professora Maria Ângela lembra ainda que no curso é possível ter contato com técnicas, equipamentos e ingredientes de difícil acesso. "Temos uma aula em que as pessoas provam insetos, por exemplo", conta. A formação em gastronomia da Uniso existe desde 2005 e tem duração de quatro semestres.
Experiência é fundamental
A ex-aluna Eliane acredita, no entanto, que uma experiência com o ambiente de cozinha é fundamental. Eliane lembra que muitos colegas de classe, que nunca haviam entrado em uma cozinha profissional, acabaram desistindo da área ao primeiro choque de realidade. Para ela, porém, a paixão com a cozinha foi imediata. O primeiro emprego de Eliane foi em uma unidade do McDonald"s em 1989. "Me identifiquei rapidamente com aquela loucura", brinca. Hoje, ela é chefe de cozinha no Old Kick Kustom Bar, local que foca no preparo artesanal dos hambúrgueres e outros pratos servidos. Eliane conta que apesar das dificuldades da profissão, a recompensa pelo trabalho duro é imediata. "Quando entrego o prato e vejo o cliente provando e fazendo "hummmm", esse é para mim o maior prêmio", diz.
Instituição pioneira na gastronomia no país, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) inaugurou em Sorocaba um laboratório no início do mês. O local vai oferecer diversos cursos livres de gastronomia, com durações variadas. A professora Mariana De Castro Pareja Galves, explica que a proposta é diferenciada, com uma cozinha modernamente equipada em um ambiente assemelhado ao profissional. O que, de acordo com a professora, pouco tem a ver com o que é mostrado em reality shows. Nos programas, as cozinhas são movidas aos berros e xingamentos de chefes descontrolados. "Não gosto desses reality shows. Acho performático", define.
A professora alerta para o risco dos modismos passageiros da gastronomia e acredita na atenção à qualidade como diferencial. "Voltar a fazer o bem feito e simples", diz. Para a professora da Uniso, Maria Ângela, é preciso analisar o mercado antes de embarcar em ondas como as hamburgerias, temakerias e foodtrucks. "É moda? Até quando as pessoas vão querer comer isso?", questiona. Ela acredita que muito além do conhecimento em culinária, os cozinheiros devem aprender também sobre empreendedorismo antes de encarar um negócio próprio.
O aluno de gastronomia do Senac, Rodrigo Fuentes Rico, vislumbra abrir um restaurante pequeno e aconchegante. A cozinha seria especializada nas típicas comidas de botequim, mas com muita qualidade. O rapaz, no entanto, mantém os pés no chão e antes pretende atuar em outros estabelecimentos e entender o mercado. Formado em logística, ele trabalhava em indústrias, quando mudou drásticamente. Apesar de sempre gostar da cozinha, só entrou no ramo, como auxiliar, após não encontrar oportunidades na indústria. Com a experiência, a paixão pela gastronomia estava consolidada. "É radical, na realidade", comenta sobre a mudança de carreira. Ele conta que decidiu fazer o curso e investir nesse caminho, mas não alimenta ilusões de glamour sobre a profissão. "Você não entra para ser chefe, mas para ser cozinheiro profissional", diz.
Hoje sócio-proprietário do La Doc Gastronomia, Osmânio Rezende, iniciou a vida profissional na cozinha aos 10 anos, ainda no Paraná, como ajudante de garçom. Aos 15, se mudou para a capital paulista onde atuou como garçom, atendente e maître em diversos restaurantes. Sua trajetória é marcada por passagens em famosos estabelecimentos como o Le Coq Hardy e o Fazano, locais em que se aprimorou em atendimento, rechaud e vinhos. Em 2006, montou um restaurante em São Paulo, o Agozzo. Nessa época, já visitava Sorocaba com frequência e ouvia dos amigos apelos para que abrisse um estabelecimento na cidade. Assim, surgiu em 2012 o La Doc Gastronomia, que é especializado em culinária italiana. As massas, molhos e pães são preparados no próprio local.
Sua trajetória fez com que tivesse uma preocupação com a experiência completa do cliente, desde que chega à porta do restaurante. "Penso que precisamos surpreender sempre", afirma. Para ele, o prato que define o restaurante é o nhoque, feito com batatas assadas: clássico, mas com atenção especial ao detalhes e à qualidade. Osmânio é o responsável pelo cardápio e gestão do local e destaca que não é uma área fácil. "Quem trabalha em restaurante não tem final de semana, não tem feriado", alerta. O profissional destaca ainda a importância da qualificação. "O mercado ainda é bem carente em mão-de-obra especializada", afirma.
E até as crianças estão entrando na onda da gastronomia. Na Mob arte escola, a programação de oficinas de férias para julho tem entre os destaques a culinária. Com grande procura pela oficina, a proprietária da escola Priscilla Zanelatto percebe o interessa da criançada pela gastronomia, que será apresentada de forma lúdica. "Serão ensinados pratos decorados", conta.
Paixão
Quando o assunto é a essência da gastronomia, ou que ela requer, todos os profissionais listaram variações da mesma motivação. Para Osmânio, "tem que gostar". Maria Ângela fala em amor. Rodrigo conta que a cozinha "mexe" com ele. E Eliane aponta as dificuldades da profissão, mas emenda "quando está no sangue supera tudo isso".