SOROCABA E REGIÃO

Tatuagens: arte milenar quebra preconceitos


A tatuagem já foi usada para juntar tribos e afugentar inimigos; para identificar bandidos e enfeitar poderosos; para mostrar preferências e esconder imperfeições. O que não mudou quase nada foi a técnica de aplicação de tinta na pele, pois passados mais de quatro mil anos, ela ainda é feita por meio de agulhas que perfuram a derme. A diferença, hoje em dia, são os cuidados com a higiene e a modernização das máquinas. Perseguida em vários momentos da história, a tatuagem foi banida por decreto papal no século 8 e na Nova York do século 20. Atualmente, os desenhos permanentes no corpo já têm uma conotação artística forte e cada vez mais pessoas decidem marcar o corpo com tinta.

Em Sorocaba existem vários estúdios de tatuagem e um deles é o Sagrada Família, do tatuador Robson Tebori Lopes, 35, que há 16 anos ganha a vida ilustrando corpos. O gosto pelo desenho surgiu bem cedo, com 12 anos de idade, quando pintava fachadas de lojas e fazia cartazes para ajudar nas despesas de casa. Mais tarde começou a customizar motos e paralelo a essa atividade, trabalhava com compras. "Vivia engomadinho, vida séria, até que um amigo que me viu desenhando na moto disse que eu poderia desenhar em pessoas, e que o resultado era bem mais rápido", relembra. Com uma força desse amigo, que já conhecia tatuadores de Sorocaba, Tebori conseguiu seu lugar ao sol em um mercado que até então era muito fechado.

Em 2001 ele comprou uma máquina e começou tatuando amigos. O profissional lembra também os desenhos que estavam em alta na época, como tribais, as famosas três estrelas atrás da orelha, carpas, dragões e fadas. O que vai ficar na pele, afirma, precisa ter algum significado, mesmo que o significado seja: "Achei esse desenho lindo e quero ele em mim", brinca Tebori. Na maioria das vezes, conta, a tattoo faz referência a uma história vivida, a um momento marcante ou é uma homenagem a pessoas especiais.

Assim como Tebori, Leandro Marques, 34, também entrou no mundo das tattoos há 16 anos e relembra as mudanças no processo de aplicação na tinta na derme. "Quando a gente começou, os descartáveis não eram comuns. A agulha era improvisada, usava um motorzinho qualquer, e depois só colocava a agulha no álcool".

Sobre o processo criativo, Leandro diz que pode demorar semanas para desenvolver a arte desejada pelo cliente. "É um trabalho minucioso, e eu quero sempre fazer o melhor, porque sei a responsabilidade que é marcar a pele de alguém." Por conta de todo o trabalho de elaboração e também com os custos de tinta e agulhas, é que Leandro desqualifica e levanta dúvidas sobre o trabalho de tatuadores que prometem preços muito baixos. "Já vi na internet gente oferecendo tattoo por R$ 30 e isso não paga nem os descartáveis."

Patrícia Fernandes, 34, é uma das mulheres pioneiras da tatuagem em Sorocaba e mesmo pintando corpos há oito anos, sua primeira tattoo foi feita em 2013. "Tatuei o número 30 no pé quando cheguei aos 30 anos. Queria me dar um presente." Ela relembra que trabalhava em uma fábrica no setor de tesouraria e que gostava muito de desenhar. Aconselhada por um amigo distante ela saiu do emprego e com o dinheiro da rescisão investiu em cursos, workshops e equipamentos.

Já com o tatuador Júlio Cholo, 30, primeiro veio o gosto pelo body piercing. Ele conta que também trabalhou em indústrias, mas o que queria mesmo era fazer arte no corpo das pessoas. "Pedi ajuda ao Tebori. Eu dava uma força para ele no jiu-jítsu e ele me ensinava a tatuar." Há um ano Cholo se profissionalizou e de lá para cá, além de desenhas na pele dos outros, encheu seu próprio corpo de ilustrações, o que inclui a cabeça e o rosto. "Minha primeira tattoo foi aos 18, fiz na coxa porque era fácil de esconder da minha mãe." Ele lembra que o segredo não durou muito tempo, pois sua avó viu a flor de lótus e imediatamente o dedurou. "Pelo telefone minha mãe brigou muito comigo, disse que ia arrancar com caco de telha, mas quando chegou em casa e viu, achou bonito." Hoje a mãe de Cholo também se rendeu e tem cinco tatuagens.

Personalizado


A tatuagem traz também um estilo de vida e pensando nisso o Calleda Tattoo Guest, aberto há três meses em Sorocaba, conta com um time grande de tatuadores, serviço de barbearia, bar, lanches, piercing, roupas e música. Um dos artistas da casa é Felipe Scarel, 32, que começou a tatuar por hobbie há cinco anos e fez dessa arte sua profissão. "É muito gratificante terminar um trabalho e ver o cliente saindo daqui com a tatuagem que ele sempre sonhou." No estúdio, segundo Wanderley Maganhato, 29, gerente do espaço, quando o cliente chega com suas referências para a tatuagem, é indicado a ele o tatuador que melhor vai conseguir atender as expectativas. "Existem muitas técnicas diferentes e cada profissional tem suas preferências e o estilo que faz melhor."


Amor por tatuagens pode ser contagiante

Com tatuagens nos dois pulsos, no antebraço, outras nos dois ombros, na nuca, na coxa direita, no tornozelo esquerdo, uma de cada lado da costela e outra na parte trás do braço direito a jornalista Isabela Garcia, 26, ainda pretende fazer outros desenhos na pele. Ao todo já são 14 tattoos e na família ela já se acostumou com as brincadeiras. "Eles falam que eu sou muito pequena para tanta tatuagem, mas ainda tem espaço. Também me chamam de gibi", brinca.

Sem nenhum arrependimento entre os desenhos escolhidos, Isabela admite que tem as preferidas. "A que fiz para o meu avô foi uma das primeiras e eu gosto muito. As duas últimas que eu fiz também estão entre as favoritas. Uma é a Alice e a outra, uma frase da Cinderela que significa muito para mim." Sem um estilo único dominando os desenhos que gravou na pele, Isabela tem frases tatuadas, flores, gravuras com contorno, sem contorno, pretas e também em pontilhismo.

A primeira tatuagem ela fez aos 18 anos e conta que no início pensava em lugares mais escondidos, que não devem sofrer com a ação da gravidade com o passar dos anos, mas depois de algumas tatuagens ela conta que decidiu aproveitar cada fase e já não vê problemas com o envelhecimento da pele. "Daqui muitos anos, quando elas estiverem enrugadas junto comigo, elas vão me trazer muitas lembranças boas."

Coisa de família

Dagmar Hernandes, 55, fez sua primeira tattoo quando completou quatro décadas de vida. Ela conta que sempre quis se tatuar, mas acabou postergando essa vontade. "Quando decidi fazer, aproveitei e já fiz três em um dia só." Primeiro ela tatuou duas borboletas acima do seio com as iniciais dos dois filhos em alfabeto tebano, que é a linguagem das bruxas wiccas. No mesmo dia, Dag -- como prefere ser chamada -- gravou uma rosa vermelha na omoplata direita e também o próprio nome abaixo do pescoço no mesmo idioma tebano. "Depois de um tempo fiz um São Jorge e por último, praticamente fechando as costas, fiz uma homenagem ao Corinthians, que é meu time do coração." Ela pretende, em breve, fazer outra tatuagem que lembre a importância da família.

A paixão por tatuagens e futebol, por sinal, também é de família, já que a filha de Dag, a professora Bruna Hernandes, 31, tem um grande desenho em homenagem ao time São Paulo tatuado nas costas. Essa é uma das seis tattoo e logo ela pretende fazer outra para demonstrar todo o amor que sente pelo filho Luís, que chegou ao mundo há seis meses. Ela recorda que a primeira visita a um studio aconteceu quando tinha 17 anos e quem a levou e pagou pela tatuagem foi sua avó, Lola, que faleceu há dois anos. "A minha avó achava os desenhos lindos e falava que se fosse mais jovem também se tatuaria."

Dona Lola também foi quem levou o irmão de Bruna, Nícolas Hernandes, 27, para o primeiro desenho definitivo na pele quando ele tinha 15 anos. Agora ele já exibe dez tatuagens e há arrependimentos entre elas. O nome de uma ex-namorada já foi coberto e uma frase do filme Menina de Ouro também causa um certo descontentamento ao vendedor, que já pensa em uma forma de cobrir. No braço esquerdo ele leva sua tatuagem favorita, uma bola de basquete coroada, que lembra seu esporte favorito.


O que fazer quando a tatuagem dá errado?

Quando bate o arrependimento após algum tempo com um desenho tatuado na pele é hora de recorrer a um bom profissional para fazer uma cobertura ou então tentar a remoção através do laser. A tatuadora Patrícia Fernandes conta que para remover totalmente uma tatuagem o número de sessões depende do tamanho do desenho, mas serão necessárias ao menos seis e o processo também é bastante dolorido. "A cobertura costuma ser a solução mais fácil e dá para fazer um trabalho legal, fazer uma arte que a pessoa vai ficar satisfeita."

Entre os principais motivos que levam uma pessoa a cobrir uma tattoo está o fato de o desenho ter sido feito há muito tempo, com técnicas menos refinadas. Patrícia lembra também dos casos de nomes tatuados, por exemplo para namorados e cônjuges. "Para filhos, pais, irmãos, é algo mais certeiro. Uma relação que dificilmente vai acabar. Já quando é uma homenagem para um parceiro é um pouco arriscado, mas eu não desencorajo ninguém, pois se a pessoa veio com esse intuito é porque está muito apaixonada." Cabe ao tatuador, afirma Patrícia, sugerir fontes e locais para a tatuagem que sejam mais fáceis para uma futura cobertura.

No Calleda Tattoo Guest, segundo o gerente Wanderley Maganhato, a maioria dos trabalhos são de cobertura, pois muitas pessoas decidem fazer a tatuagem por impulso e depois percebem que o desenho escolhido não as agrada muito. "Tem gente que chega querendo uns milagres, e na maioria das vezes os tatuadores conseguem resolver o problema", brinca.

Pele negra

Em relação aos tons de pele, segundo o tatuador Felipe Scarel, é preciso cautela na hora de escolher como será a arte. "Temos que pensar o seguinte, a tinta fica aplicada na derme, acima fica a epiderme, essa que tem a coloração que podemos ver, então quanto mais escura a epiderme mais ela vai cobrir a tinta da tattoo." Já o tatuador Robson Tebori Lopes explica que na pele negra, por exemplo, é difícil alcançar um resultado satisfatório quando o cliente quer uma tatuagem colorida. "Quanto mais melanina, mais difícil destacar as cores. Se o cliente quiser muito, a gente faz, mas explicamos antes, mostramos fotos, para que não ocorra uma decepção."


A cronologia das tatuagens

Entre 2160 a.C e 1994 a.C. - Múmias de mulheres egípcias, como a Amunet, possuem traços e inscrições na região do abdome

Há mais de 2400 anos - Múmias encontradas nas montanhas de Altais, na Sibéria, apresentam ombros tatuados com animais, reais e imaginários

Entre 509 a.C. e 27 a.C. - Os imperadores romanos determinam que, para não serem confundidos com súditos mais bem afortunados, prisioneiros e escravos sejam tatuados

787 - Sob a alegação de ser coisa do demônio, o papa Adriano I proíbe as pessoas de se tatuarem

Entre os séculos 15 e 17 - Durante a invasão da Bósnia e Herzegovina pelos turcos otomanos, os católicos tatuavam cruzes como forma de evitar ter de rezar para Alá

1600 - Com o fim das guerras feudais no Japão, os serviços dos samurais tornaram-se desnecessários. Surge, então, a Yakuza, a máfia japonesa que tem nas tatuagens uma de suas características.

1769 - Em expedição à Polinésia, o navegador inglês James Cook nota a tradição local de marcar o corpo com tinta. Na língua local, chamam isso de "tatao".

Entre 1831 a 1836 - A bordo do HMS Beagle, Charles Darwin registra que a maioria dos povos do planeta conheciam ou utilizavam algum tipo de tatuagem

1891 - O americano Samuel O"Reilly patenteia a máquina de tatuar. Trata-se de uma adaptação de uma invenção de Thomas Edison

1928 - Em Chicago, um caminhão com peles tatuadas é roubado. A coleção pertencia a Masaichi Fukushi, médico japonês que estudava como a tatuagem ajudava a preservar a pele

1942 - Durante a Segunda Guerra, os nazistas tatuavam um número no corpo dos judeus para identificá-los como prisioneiros nos campos de concentração

1959 - Chega ao Brasil o dinamarquês Knud Gegersen, o primeiro tatuador profissional a atuar por aqui. Ele ficou conhecido como Mr. Tattoo, ou apenas Lucky. Por se estabelecer na região portuária de Santos, a tatuagem se difundiu entre os estivadores, prostitutas do cais e marinheiros, e devido a isso foi marginalizada na época

1961 - Depois de um surto de hepatite B, a Secretaria da Saúde de Nova York proíbe a realização de novas tatuagens na cidade

1991 - Uma múmia do século II d.C. foi encontrada nos alpes austro-italianos e ficou conhecida como o Homem do Gelo, ou Otzi. Nele foram encontradas 57 tatuagens

(Fonte: "1000 Tattoos", de Henk Schiffmacher)


Campanha ajuda moradores de rua

Marcar a pele com desenhos e também aquecer quem enfrenta o inverno vagando pelas ruas da cidade é a proposta da campanha batizada de "Tattoo contra o frio", criada pelo tatuador sorocabano Rafael Pasini. O profissional reservou todo o mês de agosto para a realização da ação, que consiste no desconto de 50% na tatuagem em troca de agasalhos e cobertores, que serão destinados a pessoas em situação de rua. "Eu tenho alguns flash disponíveis, que são desenhos prontos para o cliente escolher, mas se a pessoa trouxer a ideia dela eu também posso criar algo novo e ela ganha o mesmo desconto."

Pasini conta que após trabalhar por uma temporada no Queens, em Nova York, e vivenciar a experiência em estúdios que realizam campanhas de doação para várias causas, resolveu, ao retornar ao Brasil, iniciar a arrecadação de agasalhos.

Pasini afirma que pretende manter campanhas para arrecadação de brinquedos e para ajudar hospitais, por exemplo. "Seria muito bom se outros tatuadores também participassem." Quem quiser colaborar com a campanha pode ir direto ao estúdio Stay Gold Tattoo, localizado na rua 7 de Setembro, 864, no Centro.