Assumir os cabelos brancos é tendência

Tingir os cabelos, principalmente para esconder os fios brancos, se tornou culturalmente um padrão para as mulheres, ainda mais se não tiverem idade avançada. Escondê-los, é uma forma de prolongar a sensação de juventude e negar a passagem dos anos. Nas jovens, deixar os brancos aparecendo é considerado por muitos sinônimo de relaxo. Os brancos são aceitos socialmente apenas quando as rugas já tomaram conta de todo o rosto. Na contramão desses conceitos, nos últimos anos tem sido cada vez mais frequente ver mulheres exibindo os brancos e orgulhosas deles. Estão quebrando paradigmas e abrindo as portas para tantas outras aderirem à iniciativa, que conforme elas é libertadora.

A representante comercial Selma Vânia Ferreira Arantes, 54 anos, poderia continuar pintando os cabelos pelo tempo que quisesse, pois sua filha e o genro são proprietários de um salão de cabeleireiros, mas há um ano ela decidiu assumir os brancos. "Já fiz de tudo, usei loiro, ruivo, que eu gostava muito, mas a cada 10 dias tinha de pintar a raiz. Aí comecei a dar uma namorada no meu cabelo branco e quis deixar."

No começo Selma tinha medo que ficasse amarelado, mas comentou sobre isso com o genro e ele a orientou. Ela optou por cortar bem curto para tirar de vez o colorido. "Passei máquina 1 na lateral", comenta, dizendo que amou o resultado. "Achei maravilhoso. Acho que fiz isso para a vida toda pois não estou com vontade de mudar não."

Quando comentou com algumas amigas que iria assumir os brancos, Selma lembra que falaram sobre parecer mais velha. "Nos homens todo mundo acha charmoso, mas nas mulheres falam que envelhece. É mito. Percebi que os brancos não deixam a aparência envelhecida. Tudo depende do estilo do corte. O corte muito reto deve envelhecer, mas eu uso e abuso da tesoura, deixo bem moderno." A decisão de deixar os fios da cor natural já foi tomada por várias famosas. Ver atrizes e cantoras com os cabelos brancos encoraja que muitas mulheres façam o mesmo.

Desde que deixou os brancos, ela tem se surpreendido com os elogios. Em abril, Selma esteve numa palestra e uma mulher de 75 anos a abordou. "Ela disse que eu não tenho pele para usar branco (se referindo à ausência de rugas). Mas via que eu tinha tomado banho de lua, que eu estava com o rosto iluminado." Foi uma expressão que a tocou. "Realmente minha mudança está passando essa impressão para os outros, tem muita gente copiando. Servi de inspiração para a minha sogra, para amigas e recentemente uma moça que mora em Araçoiaba ligou pedindo o telefone do meu genro, pra ele ajudá-la com essa mudança."

Selma acredita que o primeiro passo para a transformação vem de dentro. Ela conta que leva uma vida saudável, faz caminhada, hidroginástica, e seguindo essa linha de pensamento, manter os cabelos sem química é muito melhor.

É preciso ter personalidade também, para encarar os brancos numa sociedade que ainda faz com que a mulher esconda sua natureza. "Jamais pensei que fosse adotar isso, mas quando eu usava loiro, não sentia que era eu. Minha pele ficava apagada, pálida, mas a hora que assumi o grisalho, a pele ficou mais rosada." Desde então, para se produzir Selma não pensa em tinturas. "Gosto de um batom, um lápis no olho e de me amar."

Sem levantar bandeiras

A psicóloga Ana Maria Arantes, 73 anos, pintava os cabelos de loiro e conta que há mais ou menos três meses resolveu deixar os brancos aparecendo. "A sensação é como uma autodescoberta porque na verdade não sei ainda como vou ficar", diz.

Para ela, essa questão de ser mais natural tem a ver com o resgate do feminino. "De quem eu sou com meu cabelo desse jeito, com minhas rugas. Vivo querendo ser mais parecida comigo em todos os sentidos e o cabelo é mais uma coisa."
No momento, Ana Maria se sente vivendo uma aventura. "É interessante porque muita gente fala para não deixar porque envelhece, mas eu já sou velha. Existe na sociedade um culto à juventude. Parece que ter cabelo branco ou rugas significa que você não tem uma vida linda, que isso só pertence à mulher jovem, mas isso não está no cabelo ou em não ter rugas."

Aceitar os cabelos brancos, diz Ana Maria, faz parte de seu desenvolvimento interno. "Minha maturidade que está me deixando fazer isso, me permitir ser quem eu sou de verdade. Nunca fiz plástica e não pretendo. Meu rosto mostra a idade que tenho."

Para Ana Maria, a juventude está na atitude, no prazer da vida, na energia que se descobre a cada dia novo para viver, do que no cabelo. "Minha decisão não é uma bandeira não, é algo pessoal. Estou falando de mim. É uma experiência muito particular. Se eu não gostar, tenho a liberdade de mudar, mas por enquanto estou gostando. Não gosto disso de tendência."

Conforme ela, cada decisão tem de ser motivada pelo íntimo, ser parte da personalidade, do momento que cada um está vivendo. "Senão, se for pela tendência, a pessoa fica escrava de novo. O mais importante é olhar para dentro e descobrir o que significa para ela esse momento, se não for assim, a atitude vira só uma outra bandeira."


Para Camila, os fios brancos vieram cedo

Os cabelos brancos apareceram de forma precoce para Camila Trombini, logo aos 18 anos. Devido ao estresse que enfrentou, pela doença do pai, ela lembra que aos 25 anos já tinha de passar tonalizante nos fios, pois estava com muitos brancos. Hoje Camila tem 31 anos e há dois anos resolveu parar de tonalizar. "O tonalizante não segurava mais e eu não queria passar tinta. Escutava as pessoas dizendo que era desleixo, perguntando se eu não iria pintar o cabelo, então decidi acelerar o processo e comecei a fazer mechas e luzes brancas, descoloria e matizava. Agora já faço esporadicamente", conta.

Mais satisfeita e livre de tinturas, Camila diz que é muito gostoso ser ela mesma. "Quero envelhecer de cabelos brancos, eu sou assim, meu cabelo é assim, sinto uma força muito grande por isso."

Apesar desse sentimento de liberdade, Camila não se prende às decisões. "Não estou dizendo que eu não desista, mas na minha cabeça estou fazendo um processo de envelhecimento natural. Gosto de ver o branco em mim e não me importo com o que os outros estão dizendo." E não se importa mesmo, tanto é que casou com os brancos à mostra. "Tento convencer todo mundo. Falo que a pessoa tem de gostar do que olha no espelho e não do espelho que os outros fazem dela."

Hoje Camila acha mais fácil deixar os brancos do que há dois anos. "Antes não tinha essa moda das meninas deixarem platinado. Em 2015, a cabeleireira não conseguia entender o que eu queria e nem achava foto de referência. Hoje você coloca no Pinterest e aparecem milhões." Entre as famosas que deixaram as madeixas brancas, naturalmente ou não, estão Vera Holtz, Cássia Kiss, Maria Bethânia e Meryl Streep no filme O diabo veste Prada.


Deixar de pintar os cabelos é uma libertação das convenções sociais

Autenticidade. Essa é a palavra que define as mulheres que estão deixando os brancos à mostra, conforme disse a psicóloga Sylvia Fernandes Labrunetti, coordenadora do curso de psicologia da Uniso. "A ideia que essas mulheres passam é de se mostrarem mais verdadeiras, no sentido de assumir que de fato são assim. É uma libertação feminista, de não sucumbir às regras sociais de que mulher tem de pintar cabelo, assim como fazer depilação. É libertação mesmo das convenções sociais."

Sylvia afirma que a imagem que passamos aos outros é uma espécie de depoimento sobre quem a gente é. "Tudo conta, nosso cabelo, roupa... Então vejo que a questão do branco, quando a pessoa deixa por vontade e não por falta de cuidado, fica visualmente positivo e marcante." Principalmente, acrescenta ela, porque é algo que está indo contra os padrões sociais. "Então o que essas mulheres estão fazendo é um certo enfrentamento das convenções, por não aceitarem esse tipo de imposição. Elas pintam se tiverem vontade e não porque é obrigatório."

O branco, no entanto, ainda é ligado ao envelhecimento, isso porque é a partir de uma certa idade que ele começa a aparecer. "Ao olhar a pele ou o corpo de uma pessoa, é possível identificar a idade que ela tem. O embranquecimento dos cabelos demonstra a entrada na maturidade", acrescenta a psicóloga. "Também está relacionado ao estresse. Quanto mais estresse, mais cabelos brancos, então escondê-los também é esconder os problemas", diz Sylvia.

A mulher que colore o cabelo por causa do que os outros vão falar, geralmente acaba não se sentindo bem e perde seu brilho próprio, por estar seguindo algo que ela mesma não acredita, comenta a psicóloga. "A gente precisa se encontrar na maneira que se veste, que corta o cabelo. É um processo de amadurecimento, tanto é que adolescentes costumam se vestir parecido com o grupo e conforme vão crescendo encontram as características individuais. Isso é questão de autoconhecimento."

Já a mulher que quer deixar os brancos aparecerem, ela mostra com sua atitude que é alguém que se conhece, que decidiu revelar a idade. Os cabelos brancos, complementa Sylvia, também podem demonstrar sabedoria, maturidade, experiência de vida, uma série de coisas que a sociedade em geral ainda acha que deve esconder. "É positivo, um avanço, perceber que ter cabelos brancos também tem muito significado."


Manter os brancos não é tão simples

Ter um corte moderno e ainda usar shampoo com máscara específicos, para não deixar o tom amarelado, são fundamentais para quem quer permitir que os brancos apareçam, ensina o cabeleireiro Júnior Cofani, do salão Ello.

Júnior lembra que não é porque a pessoa não faz mais coloração que não precisa ir ao cabeleireiro para hidratar e cortar, ou seja, fazer a manutenção dos fios. Quem achava que bastaria apenas deixar crescer e pronto, se enganou.

Conforme ele, pode ser que deixar os brancos aparecerem seja uma tendência, mas ainda tem muitas mulheres com receio em relação a isso. Em seu salão mesmo, é pequeno o número de clientes que aderem ao branco. "Ainda tem muito preconceito. Algumas têm vontade, acham bonito o grisalho, mas por causa da sociedade não deixam, não estão ainda preparadas para assumir", diz.

Geralmente quem exibe os brancos são mulheres que não querem química. "Também tem a ver com a personalidade. Um cabelo grisalho não dá para ser comum, requer um corte mais moderno, arrojado", afirma.

Para quem deseja deixar os brancos crescerem, Júnior aconselha ter paciência e ser persistente, pois logo no início não fica muito bom. "A não ser que corte curto, pois de outra forma vai aparecer a raiz branca e o restante do fio tingido."