ARTIGOS

'Saneamento básico, o filme' fala do cinema e de seu público


Nildo Benedetti

Os moradores de uma pequena comunidade do interior do Rio Grande do Sul se mobilizam para solicitar oito mil reais à subprefeitura local para a construção de uma fossa para tratamento de esgoto. A líder do movimento, Marina (Fernanda Torres), é informada de que não há verba para saneamento no corrente ano, mas que a subprefeitura tem dez mil reais liberados pelo governo federal para produzir um vídeo de ficção de no mínimo dez minutos de duração. O dinheiro será devolvido se o projeto não for executado.

Marina e o marido Joaquim (Wagner Moura) resolvem fazer o vídeo, acreditando que o que sobrar da verba será suficiente para a execução da fossa. O casal cria então uma história ecológica: "O monstro do fosso". Marina será a diretora -- mesmo sem saber o que seja um filme de ficção e não ter a mínima ideia da sua função --, o marido será o monstro, a irmã de Marina, Silene (Camila Pitanga) e o namorado, Fabrício (Bruno Garcia), estarão entre os atores.

Com humor, o filme mostra o modo de as personagens experimentarem as etapas de execução de um filme, como nomear o diretor, escrever a sinopse e o roteiro, escolher elenco, atrair patrocinadores, criar cenário, figurino, filmar e montar.

"O monstro do fosso" foi inicialmente concebido com a finalidade de apontar para uma questão ambiental, mas foi pouco a pouco se desviando do objetivo.

Para a equipe técnica e atores, a execução do vídeo acabou se tornando a finalidade em si mesma. A sedução da fama, vaidade, sucesso, dinheiro, acabaram por fazê-los colocar de lado a crítica social que o vídeo deveria ter e que lhe deu origem. Com isso, a incompetência gerencial do prefeito local -- de não ser capaz de fornecer à população o saneamento a que ela tem direito -- acaba por se transformar em prestígio político, porque ele alardeia prioridade da cultura na sua gestão e, descaradamente, assume a paternidade do vídeo. É a apropriação da arte para fins políticos, do mesmo modo que os patrocinadores do vídeo usam a arte para fins mercadológicos.

Vários meses se passaram. Agora Marina está em adiantado estado de gravidez e, graças à exploração comercial do vídeo, os negócios prosperaram na sua loja e no município.

Silene progrediu na carreira e vira capa de revista, graças ao striptease que faz no vídeo, imitando a Vênus de Milo, sob os dizeres "Salve a natureza. A natureza é bela. A beleza salvará o mundo".

No final do filme, Otaviano (Paulo José), o pai de Marina e Silene, caminha ao lado do córrego ainda poluído e observa os testemunhos da obra inacabada.

"Saneamento básico, o filme" é uma crítica ao sistema de financiamento para o cinema no Brasil, uma vez que o dinheiro público foi destinado à execução de um filme em local, onde nem ao menos existia saneamento. Mas o filme também critica parte da indústria cinematográfica de massa nacional ou estrangeira e o gosto do grande público de cinema do mundo todo.

Serviço

Cine Reflexão
"Saneamento básico, o filme", de Jorge Furtado
Hoje, às 19h, na Fundec (rua Brigadeiro Tobias, 73, Centro)
Entrada gratuita