CULTURA

Casarão de Brigadeiro Tobias continua sem ter acervo próprio


Como uma máquina do tempo, o casarão de taipa construído pelos idos de 1780, localizado no bairro de Brigadeiro Tobias, guarda um acervo que convida os frequentadores a viajarem pela história de Sorocaba com destino ao período do apogeu do tropeirismo. No entanto, esse acervo não pertence à Secretaria de Cultura e Turismo (Secultur). É emprestado.

Conhecido como Casarão de Brigadeiro Tobias, o imóvel tombado pertence à Prefeitura de Sorocaba, mas todo o acervo lá exposto -- com exceção de algumas obras, incluindo três telas originais de Ettore Marangoni (1907-1992) -- integra a coleção particular de Álvaro Augusto Antunes de Assis, que há cinco anos atua informalmente como monitor no local.

A presença da administração municipal no casarão histórico é representada apenas pela historiadora e servidora pública Sonia Nanci Paes, designada para cuidar do próprio desde março de 2013. "A gente não tem nem aquela verbinha para manutenção. Quando uma lâmpada queima, precisamos comprar outra com dinheiro do próprio bolso", relata ela.

Há aproximadamente um ano, o local passou a receber duas faxinas semanais, serviço que é prestado por uma funcionária de empresa terceirizada contratada pela prefeitura. "Ficamos dois anos e meio fazendo a limpeza sozinhos", acrescenta Sônia. Na última quarta-feira (3), quando a reportagem visitou o local para dar sequência à série "Espaços de memória", servidores da Secretaria do Meio Ambiente (Sema) faziam a roçagem no entorno do casarão, pondo fim à espera de 10 meses, desde que o serviço foi solicitado pela administradora do próprio.


Indumentárias usadas pelos tropeiros e as chamadas Indumentárias usadas pelos tropeiros e as chamadas "traias", como são denominados os arreios, estribos e outras peças usadas em burros e mulas, ocupam as salas do casarão - EMIDIO MARQUES


Diante da alegada falta de atenção da prefeitura em relação ao Casarão, a servidora defende a presença permanente de Álvaro Assis no espaço que, segundo ela, ajuda a dar vida. "Imagina isso aqui sem as peças, sem ele para atender ao público. Não fosse ele, isso aqui seria só uma casa antiga", diz.

A situação atípica de Assis, que trabalha no local de terça a sexta, das 10h às 16h -- horário de visitação do público em geral -- foi relatada pelo Cruzeiro do Sul em abril de 2016. À época, a Secretaria de Cultura e Turismo (Secultur) informou, por meio de nota, que estavam sendo formatados projetos de gestão, ampliação e valorização do acervo, além de parcerias com entidades e colecionadores privados ou particulares.

Questionada se a formatação de tais projetos já foi concluída, a Secultur informou, por meio de nota, que "fez um estudo sobre a melhor forma de gestão do Casarão de Brigadeiro Tobias e está analisando junto a técnicos de outras secretarias". A pasta, porém, não respondeu quais os eixos centrais do projeto e quando ele será efetivado.

Centro de estudos

Apesar da idade avançada, o imóvel está em bom estado de conservação, já que foi reaberto ao público em setembro de 2012, após obras de restauro que duraram cinco anos, e desde então abriga o Centro Nacional de Estudos do Tropeirismo.

Criado com intuito de preservar e divulgar esse ciclo econômico ligado ao progresso da cidade, o Centro de Estudos reúne uma modesta biblioteca, com menos de dez títulos, a maioria deles escritos pelo historiador Aluísio de Almeida.


Álvaro Augusto Antunes de Assis, atua informalmente há cinco anos como monitor no local  - EMIDIO MARQUES Álvaro Augusto Antunes de Assis, atua informalmente há cinco anos como monitor no local - EMIDIO MARQUES


O destaque fica a cargo das dezenas de objetos, entre indumentárias usadas pelos tropeiros e as chamadas "traias", como são denominados os arreios, estribos e outras peças usadas em burros e mulas, que ocupam três salas do casarão e ajudam o visitante a compreender a importância, o modo de vida e a religiosidade dos tropeiros. "É tudo original", garante Álvaro.

Além de explicar em detalhes a função de cada uma das peças do acervo, Álvaro desempenha voluntariamente o papel de guia dos visitantes que, cabe ressaltar, minguaram há dois anos após a extinção do programa Roteiro Educador, que levava os estudantes da rede municipal de ensino a passeios com caráter histórico-cultural. "Hoje vem mais escolas particulares e famílias, principalmente de fora de Sorocaba", complementa Sonia.
A servidora diz não ter um número médio de visitantes que o Casarão recebe por mês e confessa que não tem o costume de convidar os frequentadores a assinarem o livro de presença deixado no local. "Cultura e história não se mede por quantidade. Muita gente tem o péssimo costume de falar "passaram mil pessoas", mas como elas saíram? O que vale é a experiência, é a pessoa sair emocionada e transformada", justifica.

Aliás, com intuito de proporcionar uma experiência mais acolhedora aos visitantes, Sonia transferiu uma grande mesa de madeira que ficava em um dos cômodos que funcionava como cozinha improvisada, para a sala principal do Casarão, onde são servidos café e bolinho de chuva. "Aqui a mesa está sempre posta, disposta a receber. É como quando a gente vai visitar um amigo ou parente querido. Museu é um lugar que dá medo nas pessoas. Elas têm que se sentir à vontade", complementa.


A presença da administração municipal no casarão é representada pela servidora Sonia Paes - EMIDIO MARQUES A presença da administração municipal no casarão é representada pela servidora Sonia Paes - EMIDIO MARQUES


O Casarão já teve acesso mais fácil. Desde a duplicação da rodovia Raposo Tavares (SP-270), a entrada por ali, na altura do km 88, foi fechada. O acesso tem de ser feito por dentro do bairro, em um percurso que inclui vias de terra, até a continuação da rua Antônio Fratti.

Mitos


O casarão de taipa também abriga uma série de lendas e mitos, como por exemplo que teria sido calabouço de escravos, residência de brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar (1794-1857) ou até mesmo recanto de supostos encontros extraconjugais entre Marquesa de Santos e Dom Pedro I.

Álvaro detalha que o imóvel foi construído por volta de 1780, pelo padre Rafael Tobias de Aguiar que, ao falecer, deixou o sítio a seu sobrinho, Antonio Francisco de Aguiar, casado com dona Ana Gertrudes Eufrosina Aires de Aguirre, cujo filho, em homenagem ao tio, ganhou o mesmo nome de Rafael Tobias de Aguiar. Este sim, o Brigadeiro Tobias, um dos líderes da Revolução Liberal de 1842 e patrono da Polícia Militar do Estado de São Paulo. "Isso [as distorções históricas] acontece porque, por muito tempo, alguns pseudo-historiadores falavam "abobrinha" e quem não sabia levava a informação pra frente", considera, afirmando que sua presença no Casarão, por meio das visitas monitoradas e até palestras para grupos maiores, visa justamente impedir distorções semelhantes na história envolvendo o tropeirismo.

Além das peças do Centro Nacional de Estudos do Tropeirismo, o visitante do Casarão de Brigadeiro Tobias também pode conferir a exposição "Faces do povo sorocabano", um conjunto de sete quadros do artista plástico Rodney Andrade, que retratam os operários e suas profissões que, através dos tempos, contribuíram para o desenvolvimento de Sorocaba.

Golpe na história

A exposição de parte do acervo particular de Assis visa preencher a lacuna de um duro golpe dado na história de Sorocaba, quando em fevereiro de 2012, diversas peças da reserva técnica dos museus da cidade foram furtadas do antigo Matadouro Municipal, situado na rua Paes de Linhares, no bairro Brasilândia, então administrado pela Secretaria de Cultura.

Na ocasião, foram levados praticamente todo o acervo do Casarão de Brigadeiro Tobias, que incluía arreios e utensílios do tropeirismo dos séculos 19 e 20, além de roupas e fragmentos da maquinaria referentes à Estrada de Ferro Sorocabana e urnas e ossos indígenas. À época, o governo municipal disse não sabe dizer o quanto foi levado, pois não havia uma catalogação dos objetos. Até hoje, nenhuma peça furtada foi recuperada.


 
*O Mais Cruzeiro iniciou em dezembro a série de reportagens "Espaços de memória", sobre os patrimônios históricos de Sorocaba. O material é publicado toda sexta-feira e tem como objetivo fazer uma visita a cada um dos espaços e mostrar a situação atual