SOROCABA E REGIÃO

Queda de investimentos é sentida nos programas de pesquisa


A diminuição dos investimentos governamentais em produção científica já afeta boa parte dos 14 programas de mestrado e doutorado vigentes na região de Sorocaba. Os mais de R$ 5 bilhões cortados do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações nos últimos três anos -- que fizeram baixar, proporcionalmente, os recursos para financiamento e bolsas nessa área -- tornaram o fazer pesquisa acadêmica para produção de conhecimento um ato de bravura. "Os avanços em pesquisa dependem de uma progressividade contínua de investimentos para ter resultados. Que haverá um comprometimento, isso a gente já sabe", comentou o coordenador do programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar, Marcos Francisco Martins. No programa de Mestrado em Educação do campus de Sorocaba, o corte do volume de bolsas concedidas foi de cerca de 25%. "Dos 30 alunos que entram, hoje falamos em dez bolsas, em média. Já chegamos a ter quase 15."

A queda do financiamento de pesquisas pode ser percebida com clareza nos dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Enquanto o órgão concedeu, em 2015, 104.509 bolsas para pós-graduação no Brasil -- numa alta crescente desde 2011, quando esse número foi de 71.957 -- em 2016 esse volume foi de 99.671 bolsas. A queda significou, em recursos, R$ 50,4 mil a menos em investimentos só de 2015 para 2016. Os dados do ano de 2017, no qual as restrições foram ainda mais bruscas, ainda não foram divulgados nos relatórios da Capes. "As bolsas são apenas um dos elementos financiadores. Temos ainda verbas que as universidades federais recebem, para a manutenção dos programas, que caíram de 25 a 30% nos últimos três anos", cita Martins. Esses recursos, ele explica, são destinados às atividades de pesquisa, como compra de suprimentos e manutenção de laboratórios, por exemplo. "Em pesquisa, tirar recursos por dois anos significa que não voltaremos mais onde estávamos, voltaremos para trás", avalia.


José Frutuoso Roveda, da Unesp - EMÍDIO MARQUES / ARQUIVO JCS (12/9/2017) José Frutuoso Roveda, da Unesp - EMÍDIO MARQUES / ARQUIVO JCS (12/9/2017)


No campus da Unesp em Sorocaba, a situação não é diferente. O programa de Ciências Ambientais, que contou com cinco bolsas para doutorado em 2013, viu esse número cair para três, em 2014, e zerar a partir de 2015. "Nas turmas de 2015 e 2016 quem entrou está fazendo doutorado "na raça". Isso para cerca de 15 ingressantes de doutorado por ano", explica o coordenador do programa, José Arnaldo Frutuoso Roveda. "A gente acaba perdendo na procura. E estamos falando de um programa de Ciências Ambientais que já nasceu nota 4." A avaliação do curso -- que vai numa escala até nota 7, pela Capes -- chega a ser uma esperança de portas abertas para mais recursos, mas isso não se concretiza. "Eles não estão sendo liberados para ninguém. Notas mais alta às vezes ajudam com as agências de fomento, mas ainda assim está difícil. Ao enviar projetos pedindo bolsas, as respostas são de que o aluno é ótimo, o projeto é ótimo, o professor é ótimo, mas não vai ter bolsa. Fazer pesquisa no Brasil é coisa herói", diz Roveda.


Marcos Francisco Martins, da UFSCar - RAFAELA PLINTA / DIVULGAÇÃO Marcos Francisco Martins, da UFSCar - RAFAELA PLINTA / DIVULGAÇÃO


Grande parte na mão das públicas

Seguindo numa tradição histórica, o grande volume de produção de conhecimento, no Brasil, segue nas mãos das universidades públicas. Em 2016, segundo a Capes, 86,8% das bolsas concedidas foram para projetos ligados a estas instituições -- frente a 13,2% para as particulares. Além disso, mais de 40% dos trabalhos de pesquisa do País têm um autor afiliado a uma instituição em São Paulo, segundo dados do relatório Research in Brazil, da Clarivate Analytics. A realidade da maior parte das pesquisas estar ligada às universidades públicas é refletida em Sorocaba: dos 14 programas, dez são da Unesp e UFSCar. "As instituições privadas investem em ensino e isso não é demérito, é uma característica. Já as públicas investem muito em pesquisa. E fazer pesquisa custa muito caro. Quando o Banco Mundial recomenda privatizar as universidades, não leva em consideração que é nelas que se produz pesquisa no Brasil", pondera Marcos Martins. Arnaldo Roveda concorda. Segundo ele, até as universidades americanas, muitas vezes usadas como parâmetro para a defesa do pagamento pelo estudo em universidades públicas, têm seu funcionamento e pesquisas financiados, em grande volume, pelo governo americano.


Cristiane Bergamaschi, da Uniso - DIVULGAÇÃO Cristiane Bergamaschi, da Uniso - DIVULGAÇÃO


Além das públicas, Sorocaba possui uma universidade comunitária -- a Uniso -- que têm em funcionamento quatro programas de pesquisa científica. E, como instituição não-pública, os obstáculos também existem. "Nossa maior dificuldade é com relação ao número e modalidades de bolsas de estudo disponibilizadas por órgãos vinculados ao Ministério da Educação, que coordenam a pós-graduação no país, que é inferior às recebidas pelas universidades públicas", expõe Cristiane Bergamaschi Motta, coordenadora do programa de Ciências Farmacêuticas da Uniso, existente há dez anos.

Investimento privado

De acordo o relatório Research in Brazil, entre 2011 e 2016, a Petrobras foi a única empresa nacional a financiar pesquisas no País, nas áreas de petróleo de gás. As demais, todas multinacionais, investiram na área farmacêutica. Isso se reflete, de acordo com Cristiane Motta, num aumento da captação de recursos e a produção científica na Uniso. "Os projetos de pesquisa do curso de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Uniso estão sendo desenvolvidos em sua maioria com financiamento de agências de fomento. Por outro lado, observou-se uma diminuição do número de editais para solicitação de auxílio financeiro à pesquisa, particularmente nos últimos dois anos", explica a docente. "No momento, observamos maior dificuldade dos candidatos em fazer a pós-graduação com financiamento próprio", completa.