Crítica teatro: O casamento do pequeno burguês
Crítica teatro: O casamento do pequeno burguês
O texto escolhido como montagem final do curso técnico de atores do SENAC foi "O Casamento do Pequeno Burguês" de Bertold Brecth. Texto que o autor alemão escreveu na sua juventude, aos 21 anos, sob forte influência do expressionismo, muito mais do que a estética do teatro épico que viria a fundamentar o seu trabalho no teatro e transforma-lo num dos seus maiores expoentes.
Brecth é um autor necessário na formação básica de qualquer artista da cena. É fundamental a leitura e a releitura de textos como "Baal, Na selva das cidades, Santa Joana dos Matadouros, Mãe coragem e seus filhos", dentre outros. Grande parte da sua dramaturgia foi fortemente influenciada pela guerra produzida antes, durante a perseguição nazista na Alemanha (onde se exilou na Suíça, depois França de Dinamarca até chegar aos Estados Unidos) e depois quando retornou a Berlim e fundou a emblemática companhia Berlin Ensemble (que segue até os dias de hoje).
A situação dramática de "O Casamento do Pequeno Burguês" é aparentemente simples ¿ uma festa de casamento. Nela a burguesia em ascensão se encontra e mostra as suas garras. É a partir desta situação comum que o autor destrincha e põe à mostra as relações sociais. Expõe pelo cansaço e tédio, que geralmente tais cerimônias trazem consigo, o jogo de aparências. As personagens não conseguem "ser feliz" o tempo todo e aos poucos as miudezas e as mesquinharias de todos surgem na cena. A presença de outro elemento, que frequentemente causa "estragos" à "tal" harmonia em quase todas festas, vem a ser a fonte de revelações nada agradáveis - o álcool. Muitos de nós já presenciamos cenas catastróficas resultado do excesso de consumo de álcool. Brecht utiliza todos estes ingredientes para se contrapor ao drama burgues vigente na época. Não se trata mais da questão individual do protagonista ou de qualquer personagem. O que se revela em cena é a sociedade. Somos todos nós.
A encenação proposta por Hamiton Sbrana acontece num espaço-outro teatral. Isto é, no corredor que une dois edificios do SENAC. Este local, no seu dia a dia, é utilizado como passagem de estudantes e professores. De um lado do corredor há um jardim e, de outro lado, um estacionamento para os carros da instituição. Este espaço/corredor foi ocupado cenicamente por mesas enfeitadas e cadeiras, tal qual, uma recepção de casamento. A proposta é instaurar o espaço/cena da festa de casamento o público são os convidados.
A cenografia do espaço da cena composta por caixotes é eficiente e evidencia a questão "dos moveis feitos em casa" que o texto pontua. Todavia, causou-me estranhamento a presença de um "biombo" ao fundo utilizado para entradas e saídas de cena. Destoa da proposta de ocupação denudada do espaço. Afinal se tudo estava à mostra: carros, jardim, operadores de som, comida, etc. não há motivo para se esconder as entradas e saídas dos atores.
A encenação de Sbrana tem problemas com o fluxo do espetáculo. A ocupação do espaço, que é um trunfo inicial, logo se esvai à medida que a maioria das cenas se restringem à frontalidade. Mesmo as intervenções de personagens adicionadas ao texto terminam por ficar deslocadas do conjunto. Isso porque apoiado no texto de Brecht o diretor buscou estabelecer, por intermédio uma série de interferências musicais, e a presença de personagens que inexistem no texto original, situações dramáticas cômicas, aproximando-se do teatro de variedades ¿ o vaudeville. Esta costura, contudo, nalguns momentos ainda necessita de melhor acabamento.
Se em relação a ocupação do espaço ainda são necessários ajustes, por outro lado, é marcante o trabalho na direção de atores realizada por Hamilton Sbrana. Aspecto importante, principalmente, num espetáculo resultado de um curso de formação. Há momentos ao longo do espetáculo no qual se percebe que a direção "estica" a cena para que os atores tomem folego e não acelerem a cena seguinte. Nesse contexto, cabe pontuar o jogo que o diretor conseguiu estabelecer em cena entre os atores. É fundamental saber jogar no teatro. Jogar juntos. O resultado do bom jogo é termos um espetáculo com dinamismo e leveza. É visível notar como os atores se divertem em cena. E o público, também. A proposta de servir alimento ao longo da encenação é bem vinda no contexto proposto. A chef Mariana Castro nos presenteia com sabores distintos. Estimula-nos pela comida a um conjunto de memorias de casamentos. Digno de nota.
Em relação à interpretação há bons momentos, boas risadas e boas atuações que prenunciam que teremos bons interpretes chegando na cena teatral de Sorocaba. Antes, contudo, de avançar noutras questões da interpretação cabe assinalar o bom trabalho da direção musical, responsável pelo canto coletivo, conduzido por Zack Rodrigues. O trabalho musical colabora e muito com a proposta da encenação. Nesse conjunto da atuação destacam-se o ator Fabio Luz no papel do pai da noiva. Personagem construída na dimensão da contradição da história que vive e as inúmeras histórias desastrosas vividas por outros que ele conta ao longo da festa. A atriz Gabriely Castilho que interpreta a Noiva numa bela composição permeada de nuances. Personagem complexa que a jovem atriz consegue dar corpo. Todavia nos momentos de interação com os convidados a atriz nos dá a impressão de se manter "um tom acima". A voz não modula em intensidade. Afinal os "convidados estão a menos de centímetros da atriz. Nesses momentos se tem a impressão que a atriz continua na relação palco/plateia tradicional.
O resultado é uma montagem vibrante e divertida. Se espera que o espetáculo tenha vida longa e logo volte em temporada na cidade. Que venham outras montagens desse grupo e de outras turmas do curso técnico do SENAC, sob a batuta de Hamilton Sbrana, que aos poucos mostra que o curso veio para somar e fortalecer o espaço da formação teatral de qualidade na região metropolitana de Sorocaba.
Ficha artística
GRUPO: TT5 SENAC
Direção: Hamilton Sbrana
Direção Musical: Zack Rodrigues
Gastronomia: Chef Mariana Castro
Figurino: o grupo
Cenografia: Hamilton Sbrana
Produção: SENAC SOROCABA
Elenco:
O PAI DA NOIVA - Fabio Bernardes da Luz
A MÃE DO NOIVO - Laura Luiza Schultez Maciel
A NOIVA - Gabriely Candido de Oliveira Castilho
O NOIVO - Giovani de Souza Nunes
IRMÃ DA NOIVA - Carla Santucci Demarchi
A MADAME - Amanda Albino
O MARIDO DA MADAME - Jan de Oliveira Nes
O ACOMPANHANTE DA IRMÃ DA NOIVA - Bruno Willian de Almeida
A CANTORA - Bruna de OLiveira Costa
A FOTÓGRAFA - Flavia Aparecida de Lima Silva
A PASTORA - Mayara Rodrigues de Campos
A PROMOTER - Mariana Nobrega Macedo
GARÇONTE OPRESSORA - Giovanna Calegare Claro
GARÇONETE OPRIMIDA - Jackson JUlio do Nascimento