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Você já ouviu falar de "Anismus"?


Mário Cândido de Oliveira Gomes

Pois é, anismus é a principal causa de prisão de ventre resistente ao tratamento habitual. A constipação intestinal é um sintoma extremamente comum, que afeta 25% dos idosos e mais de 35% das mulheres. Fala-se em prisão de ventre quando a evacuação de fezes ressecadas e sólidas é extremamente dolorosa ou desconfortável, com padrão inferior a três eliminações por semana. Por sua vez, o anismus é uma disfunção anorretal resultante de contrações paradoxais dos esfíncteres anais durante a evacuação, isto é, as válvulas responsáveis pelo fechamento e abertura do intestino grosso trabalham fora de sintonia, causando ondas descontroladas de fecha e abre, o que provoca lentidão e dificuldade extrema na expulsão do bolo fecal. Tal alteração já foi conhecida por outros nomes, como função paradoxal do esfíncter externo, síndrome espástica do assoalho pélvico, dissinergia retoanal, etc.

A prisão de ventre pode ter inúmeras causas, sendo classificada em: verdadeira e secundária. Entre as verdadeiras: trânsito lento pelo cólon de causa desconhecida (idiopática), obstrução no esvaziamento (dilatações exageradas do cólon, do reto, do sigmóide, conhecidas por "meças" e anismus), sendo as secundárias causadas por medicamentos (anti-hipertensivos, anticolinérgicos, etc), distúrbios metabólicos ou endócrinos, doenças neurológicas, lesões gastrintestinais e até por erros dietéticos ou de comportamento. O anismus provoca, principalmente, constipaçáo intestinal e dor retal (proctalgia) crônica, que são resistentes ao tratamento habitual em 62% dos casos. Também existem outras causas, como doença do nervo pudendo (24%), problemas dos ossos da pélvis (coccigodínia) em 8%, entre outras.

Convém ressaltar que a prisão de ventre secundária é um distúrbio mais frequente que o anismus, devendo todo indivíduo com constipação ser avaliado quanto à dieta e aspectos específicos do ritmo intestinal. O anismus é mais comum nas crianças, sendo responsável por 90% dos casos de evacuação obstruida, a despeito do sexo ou faixa etária. O diagnóstico laboratorial desta enfermidade é realizado com quatro grupos de exames: eletromiografia (mais de 50% dos músculos da pélvis são recrutados no esforço da evacuação), manometria anorretal (normal), procto!ogia evacuatória (defecografia) e defecometria. A proctografia evacuatória é o principal exame, pois simula com perfeição uma evacuação normal, sendo útil em numerosos distúrbios do assoalho pélvico.

O tratamento da prisão de ventre do anismus (disquesia) é feito com treinamento especializado (biofeedback) no domicílio, com resultado satisfatório após três semanas. Infelizmente, os benefícios duram menos de um ano. Cerca de 40% dos indivíduos com problemas funcionais de evacuação (especialmente constipação e diarréia) relatam ter sido vítimas de abuso sexual, especialmente entre as mulheres. Tais pessoas apresentam sintomas compatíveis com a síndrome do cólon irritável e anismus. Nestes casos, a abordagem deve ser concomitante com a psicoterapia. A toxina botulínica (botox) fabricada pelo germe Clostridium botulínicum, que causa distúrbios neurológicos graves, é utilizada em inúmeros problemas espásticos da musculatura lisa do aparelho digestivo, sendo urna alternativa ao tratamento com biofeedback. São realizadas três sessões num período de três meses, todavia, como o mecanismo de ação é curto, apenas metade dos pacientes obtém sucesso prolongado. Desta forma, nos casos de prisão de ventre crônica sempre deve ser afastado o diagnóstico de "anismus", ao lado dos megas, incontinência fecal e tenesmo anorretal, que é aquela sensação incômoda (peso, tensão, pressão) no assoalho da pélvis.

Artigo extraído do livro Doenças - Conhecer para prevenir (Ottoni Editora), de autoria do médico Mário Cândido de Oliveira Gomes, falecido aos 77 anos, no dia 6 de junho de 2013.