Pequenos Milagres

A simples arte de viver cada momento


Por Nilson Ribeiro
 
Quer saber como viver plenamente a vida? Não precisa perguntar a algum guru da moda... Postei recentemente nas redes sociais esta foto de Dona Celi, uma excelente cozinheira e amiga, batendo urucum para fazer colorau, que ela mesma utiliza na comida do restaurante Via Roça, em Campinas, onde trabalha há mais de 15 anos. Fez muito sucesso...
 
Algumas pessoas gostam de saber que existem outras pessoas que valorizam seu tempo e sua vida. Porque é isso que sinto que minha amiga Celi faz quando reserva horas para colher, secar, bater, separar, peneirar, lavar as sementes de urucum e ainda depois cozinhar, misturar à farinha, secar novamente para depois poder usar o colorau, cujo quilo no mercadão não custa mais que uns cinco reais. O colorau é usado em pequenas quantidades, para dar uma “cor” ao molho. É produto barato. Talvez não compensasse o trabalho tão artesanal de Dona Celi. Mas nossa cozinheira tem um modo peculiar de pensar, e, principalmente, de viver a vida.
 
Ao invés de ficar reparando e falando da vida alheia, ela colhe urucum. O tempo que desperdiçaria discutindo quem vai roubar menos no próximo governo, ela usa para malhar e separar as sementes. Enquanto peneira e separa, não tem tempo para maldizer o sol muito quente, ou o dia muito chuvoso. Não tem facebook. Enquanto vive a vida real, não perde tempo em ficar imaginando como seria se fosse diferente.
 
Dona Celi, iletrada, criada na roça, caladinha (e às vezes muito brava com quem sai da linha – mentindo, desperdiçando, falando da vida alheia), pensa e age como os grandes sábios. De maneira muito natural ela compreendeu que a vida é isso que acontece neste exato momento. Que sagrado é o modo como você executa suas tarefas – as necessárias e as escolhidas. Que falta de tempo é invencionice de quem não sabe exatamente o que fazer com cada segundo.
 
Dona Celi, por exemplo – só para contar rapidamente um pouco da vida dessa sábia mulher – faz faxinas durante a semana toda, trabalha no restaurante nos finais de semana, toma três ônibus para chegar até o trabalho. E por volta das sete da manhã já coou o primeiro café do dia para todos. Pra isso, precisa pegar o primeiro ônibus no seu bairro às cinco da manhã. Mas quando sai de casa, já fez o almoço da filha (que está com o pé quebrado) e a neta. É incansável. Nunca se ouve dela uma reclamação da vida ou do que quer que seja. Nunca um mal humor. Muito pelo contrário. Quer um sorriso verdadeiro? Diga a ela um simples bom dia! Sua força e amor pela vida podem ser percebidos nos temperos preciosos, nos pratos e quitutes que ela faz todos os finais de semana no restaurante, com esmero, carinho e paciência. E o colorau que ela mesmo preparou.
Bom Dia, Vida!
 
Nilson Ribeiro é jornalista, escritor, músico, compositor, professor e pesquisador.
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