SOROCABA E REGIÃO

Na educação infantil, a cada 40 docentes só um é homem


A presença de homens em ocupações tradicionalmente femininas, em particular o cuidado infantil, apresenta-se como um obstáculo ao qual se impõem mitos e ideias enraizados sobre a masculinidade, que refletem diretamente no sistema educacional. Hoje em Sorocaba, na rede municipal de ensino, a proporção é de um homem lecionando na educação infantil para 40 mulheres no mesmo cargo. Ou seja, 2,4% dos professores são homens. Já entre os auxiliares de educação, embora exista a disparidade, a diferença é menor, sendo de um homem para 14 mulheres na mesma função (o que representa 6,8%).

Por mais que a adaptação aconteça em um período breve, os relatos de alguns profissionais ouvidos pelo Cruzeiro do Sul enfatizam que eles precisam oferecer provas quanto à sua idoneidade, competência e habilidade, e evidenciam que funções de cuidado ainda são muito associadas ao gênero feminino.

Segundo o Censo Escolar 2017, estudo oficial com os dados mais recentes da educação básica no Brasil, há hoje 575 mil docentes na educação infantil brasileira, sendo 554 mil mulheres e 21 mil homens. Quer dizer, para cada professor homem numa creche ou sala de pré-escola, há 26 mulheres. Em Sorocaba, são 2.219 professoras para 55 professores na educação infantil segundo dados da Secretaria de Educação (Sedu). Entre os auxiliares, destinados em sua maioria para atender a primeira infância, são 1.358 servidoras para 100 homens no mesmo cargo. 
Dificuldade inicial 

Um dos primeiros homens a ingressar na educação infantil em Sorocaba, Klebert Tadeu Murad, 37, está na rede municipal há 17 anos e lembra das dificuldades iniciais que encontrou. "Tive a resistência de uma mãe em específico na primeira unidade que trabalhei, mas com o tempo consegui estabelecer uma relação com a criança e essa mãe passou a respeitar o meu trabalho", relembra ele, que atuou no Centro de Educação Infantil (CEI-13) de Brigadeiro Tobias por quatro anos e depois foi transferido para o CEI-9, no bairro Santa Rosália, onde permanece até hoje.

Concursado, Murad relembra que a comunidade toda ficou em choque com a presença de um homem nos trabalhos de cuidado com as crianças, mas que com o apoio da direção da unidade, rapidamente conseguiu ser aceito. "Acredito que pouco a pouco nós estamos conseguido desconstruir o papel do homem, que tradicionalmente não se envolvia no cuidado", destaca o servidor.

A relação de confiança estabelecida com os pais também é um facilitador no trabalho e Murad conta que hoje desenvolve toda e qualquer atividade com as crianças, como banho, higiene e alimentação. Ele lembra que por conta das estruturas diversas que as famílias hoje apresentam, muitos alunos não têm em casa a convivência com alguém do sexo masculino e que essa referência acaba se formando no CEI.


Luciano Amâncio: 'A gente vai conquistando as crianças e automaticamente conquista os pais também' - FÁBIO ROGÉRIO Luciano Amâncio: 'A gente vai conquistando as crianças e automaticamente conquista os pais também' - FÁBIO ROGÉRIO


Já Luciano Teodoro Amâncio, 32, está na profissão há pouco mais de um ano e conta que após o concurso público começou a se interessar pela educação e agora concilia duas faculdades: engenharia de automação e pedagogia. "No começo tem até um pouco de preconceito, mas a gente vai conquistando as crianças e automaticamente conquista os pais também." Sobre esse preconceito inicial, Amâncio destaca que é algo típico dos adultos e que nunca sentiu distanciamento dos pequenos. "A criança não faz essa distinção e recebe a gente de braços abertos."

Ensinar e cuidar de crianças é o objetivo de Lucas Moura e Silva, 26, há bastante tempo. Atualmente ele cursa o segundo ano de pedagogia na Faculdade de Sorocaba, unidade do Grupo Uniesp, e trabalha como auxiliar de educação na rede municipal. Desde o início do ano letivo de 2018, está na escola Leonor Pinto Thomaz, no Centro, com alunos do 5º ano do ensino fundamental e essa é a primeira vez que há um homem como auxiliar na instituição. No ano passado, Silva atuou em um CEI e relembra que participava de todas as atividades. "Por ser homem, e para não dar margem a nenhum pensamento errado, na hora de trocar ou dar banho é sempre com as portas abertas, na presença de outras pessoas", conta.

Silva já teve experiência também em uma instituição particular, mas permaneceu por pouco tempo devido à resistência de alguns pais. "Quando é particular, está além da educação. É um negócio e o pai é o cliente. Se o cliente reclama, a escola obedece." O auxiliar de educação destaca que com a presença masculina em funções tradicionalmente ocupadas por mulheres, os alunos também percebem a desconstrução dos papéis designados aos gêneros femininos e masculinos. "É uma forma de mostrar para a criança que ela pode ser o que ela quiser."
 
Uma quebra de paradigmas

Os homens atuando na educação infantil, aponta Leila Regina Chinelatto, gestora de desenvolvimento educacional da Sedu, representam uma quebra de paradigmas. Historicamente, aponta, por conta do machismo impregnado na cultura, a mulher foi educada para cuidar da casa e dos filhos e o homem para ser o provedor da família. "Mas a cada geração nós evoluímos e vamos desfazendo esses estereótipos", afirma.

A professora e doutora em Educação Valdelice Borghi Ferreira, coordenadora do curso de Pedagogia da Universidade de Sorocaba (Uniso), conta que cerca de 3% dos alunos são do sexo masculino e a especialista aponta que o magistério, de uma forma geral, é dominado pelas mulheres também porque os homens são estimulados, desde a infância, a buscarem carreiras com melhores salários, na indústria e na área de exatas.

Há 17 anos na Uniso, Valdelice conta que gradualmente nota uma mudança de comportamento entre os profissionais da educação e através do relato dos alunos, embora ainda exista um certo receio, tanto dos pais quanto das escolas, mais homens estão ingressando no curso. "Dentro do próprio lar, alguns pais estão mais participativos e acabam contribuindo com o cuidar. Isso diminui a estranheza com o homem no ambiente escolar."

Ela destaca que o profissional, seja ele professor, estagiário ou auxiliar, precisa dar banho, limpar, colocar para dormir, brincar, alimentar e tudo isso ainda é considerado "serviço de mulher" porque embora os pais participativos venham aumentando, "ainda há muitos homens que não cuidam dos próprios filhos". Na educação, destaca a professora, o cuidado masculino é ainda mais emblemático também por conta de associações com abuso, mas pondera que ser abusivo é algo não exclusivo do sexo masculino, mas do ser humano. "Na educação e no cuidado, o que precisa prevalecer é o respeito", finaliza.