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Neste 21 de maio, Dia da Cachaça, descubra a origem da caipirinha que do interior paulista virou símbolo do Brasil lá fora


Por MARCO MERGUIZZO

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Esta data nem eu sabia que existia no calendário. Hoje, 21 de maio, é comemorado o dia da cachaça. Sim, o vigésimo-primeiro dia deste mês gelado de outono foi escolhido para marcar o início da safra de cana-de-açúcar em Minas Gerais, o estado vizinho que é um conhecido produtor de queijos de qualidade (farei um post específico sobre isso nas próximas semanas) e também pródigo em elaborar ótimas cachaças artesanais, como as da região de Salinas, uma das primeiras a ficar famosa entre os apreciadores das "marvadas" mais nobres.

Por isso, de brega e popular, a cachaça foi ganhando admiradores e paladares mais exigentes e virou lá fora símbolo do Brasil ao lado da caipirinha, que por sinal merece um capítulo à parte e este registro em especial. Da singela e sábia mistura da cachaça com limão, açúcar e gelo, a caipirinha teria sido criada há exatamente um século, por volta de 1918. Por muito tempo, o seu consumo esteve associado a gente simples do interior - daí a origem de seu nome - e às classes sociais menos favorecidas, em razão do baixo custo de seus ingredientes. 

A simplicidade da receita favoreceu a sua popularização e ascensão social até chegar ao status atual de um dos mais conhecidos coquetéis do mundo. Sim, aquela que um dia foi brega, desde 1996 integra a seleta lista dos 62 exclusivos drinques oficiais do mundo - ao lado de clássicos como o Dry Martini, o Bellini e a Marguerita. Assim, com o aval da International Bartenders Association, a sua receita passou a ser respeitada no mundo dos profissionais do balcão e eternizada entre os consumidores.

Não há, porém, registros oficiais sobre onde exatamente a primeira caipirinha teria sido preparada. Acredita-se que tenha nascido entre os trabalhadores rurais das regiões Central e Noroeste de São Paulo, onde a produção de limão e cana-de-açúcar sempre foi farta. Essa origem interiorana, e caipira, explicaria o seu nome de batismo.

No início do século XX, mais precisamente na década de 1920, a mistura de cachaça, limão, mel e alho era consumida no Brasil para amenizar os efeitos da gripe espanhola, que matou milhões de pessoas na Europa e em várias partes do mundo. "O limão era utilizado na receita por conta de sua Vitamina C e o álcool era aplicado para acelerar os efeitos terapêuticos do medicamento", assinala Jairo Martins, autor do livro "Cachaça: o mais brasileiro dos prazeres" (2006).

Usado como remédio contra a gripe, o limão sempre teve, popularmente, por causa da alta concentração de vitamina C, uma função medicinal. A caipirinha seria, sob essa visão, uma variação da beberagem à base de limão-galego, mel e alho, bastante popular no interior.

À época, muitas das cachaças eram produzidas no interior de São Paulo, sobretudo na região de Piracicaba. Em seguida, o produto passou a desembarcar no porto de Santos. Foi então que aquele tal remédio caseiro recebeu este simpático nome. Ou seja: "caipirinha" era usada em alusão à origem de um de seus ingredientes mais marcantes: a aguardente de cana.
 
DE ORIGEM INTERIORANA, O DRINQUE VIROU UM DOS SÍMBOLOS DO MODERNISMO DE 1922


A pintora Tarsila do Amaral, natural de Capivari, região de Piracicaba (SP): sentimento nacionalista nas telas e no copo - Arquivo A pintora Tarsila do Amaral, natural de Capivari, região de Piracicaba (SP): sentimento nacionalista nas telas e no copo - Arquivo

A fama da caipirinha também seria turbinada, logo a seguir, por um período de consagração da cultura nacional, marcado em São Paulo pela Semana de Arte Moderna de 1922. O evento buscava alinhar as artes brasileiras às vanguardas europeias. A bebida foi então abraçada pelos intelectuais modernistas como um símbolo da cultura gastronômica nacional. Finalmente o Brasil tinha um drinque para chamar de seu.
 
A pintora Tarsila do Amaral, nascida em Capivari, interior paulista (1886-1973), e o escritor paulistano Oswald de Andrade (1890-1954), por exemplo, foram os primeiros a levar o drinque brazuca para o Velho Continente e, em particular, para Paris, o fervilhante epicentro cultural do planeta à época. Ou seja, a caipirinha também se tornaria um dos símbolos do movimento modernista de inspiração e valorização genuinamente  nacionalistas.
 
SEGREDO DO SUCESSO? HARMONIA E SIMPLICIDADE DOS INGREDIENTES


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Sabe-se, no entanto, que a fórmula da caipirinha, como a conhecemos hoje, começou a ser popularizada a partir dos anos 50. Seu sucesso se deve acima de tudo ao uso de ingredientes que se completam em perfeita união, sem que um predomine sobre os demais.

A cachaça artesanal é ingrediente obrigatório e deve ser, sempre, da branquinha. A ela se completam, harmoniosamente, o limão, o gelo e o açúcar, que pode ser substituído por adoçante. Mas o uso não deve ser exagerado, porque sua função é apenas cortar a acidez do limão. Em torno dessa base, é possível improvisar.

Foi assim que nasceram variações que hoje fazem sucesso entre os consumidores. Caso da caipirosca, em que a vodca substitui a cachaça, da caipiríssima, feita com rum, e da saquerinha (caipirinha de saquê), inventada nos anos 70 e revalorizada na segunda metade dos anos 90.

Os franceses, por sua vez, criaram um sucedâneo substituindo a pinga pelo cointreau -  um licor à base de laranja e de ervas aromáticas -, mas a beberagem nunca caiu nas graças do consumidor e é muito pouco lembrada. Ou seja, desde que a caipirinha ganhou fama, combinações audaciosas desafiam a sua supremacia. Por conta da grande oferta de frutas exóticas, bem como de modismos de estação, admite-se a troca do limão por morangos, framboesas, lima-da-pérsia, kiwi e lichias.

Mas a verdade é que, apesar da aprovação às variações, a boa e velha caipirinha de limão acabou consolidando ainda mais o seu prestígio em relação às suas eventuais "concorrentes".

Além da caipirinha tradicional feita com limão tahiti, uma das versões de que mais gosto é a de lima-da-pérsia perfumada com folhas de manjericão. Esta receita que você confere, logo abaixo, pode ser feita em casa no próximo final de semana ou mesmo nestes dias gelados de maio para aquecer o paladar e brindar as origens e o espírito de interior que ela invoca e celebra. Tintim!

CAIPIRINHA DE LIMA-DA-PÉRSIA E MANJERICÃO


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INGREDIENTES

1 lima-da-pérsia, 2 colheres (chá) de açúcar, 1 dose de cachaça. 6 folhas frescas de manjericão.

PREPARO

1) Retire as pontas e corte a lima-da-pérsia em rodelas bem finas. 2) Coloque a fruta e o açúcar em um copo pequeno e, com um socador de madeira, pressione apenas o centro da lima, sem forçar a casca. Isso evita a liberação de muito ácido cítrico, contido no sumo da casca, que pode deixar o drinque amargo. 3) Acrescente a cachaça, misture e complete com bastante gelo. 4) Por fim, decore e perfume a bebida com as folhas de manjericão e sirva.


(*) Marco Merguizzo é jornalista profissional especializado em gastronomia, vinhos, turismo e estilo de vida. Confira outras novidades no Instagram (@blog 1gole1garfada1viagem) ou clique aqui e vá direto para a página do blog no Facebook