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Portugal x Espanha: no clássico ibérico de dois gigantes do vinho, Pêra-Manca e Vega-Sicilia disputam quem é o campeão da taça


POR MARCO MERGUIZZO (*)

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Se no gramado do estádio Fisht, em Sóchi, na Rússia, Portugal e Espanha medem forças logo mais às 15h desta terça, 15 de junho, no jogão do grupo B, que acontece neste segundo dia da Copa do Mundo, no universo do vinho este clássico ibérico também é um duelo de titãs entre o gigante português Pêra-Manca e o legendário Vega-Sicilia espanhol.
 
Dupla de tintos de enorme prestígio elaborada por esses países vizinhos de grande tradição vinícola, ambos apresentam qualidade superlativa. Uma disputa, portanto, de dois monumentos da taça, em que não há um único favorito e o melhor. 

Com mais de 600 anos de história, o Pêra-Manca figura na galeria dos grandes vinhos produzidos no mundo. Ao lado de outro conterrâneo, o também lendário Barca Velha, disputa a condição de rótulo português de maior prestígio. Tal fama e status dentro e fora do país se justificam graças à alta qualidade e longevidade das garrafas produzidas apenas em anos de colheita excepcional. Mais: por sua importância histórica é um vinho mítico que transcende o tempo e a classe de mera bebida.

Ícone da vitivinicultura portuguesa, é um verdadeiro tributo à vinificação das variedades tintas Aragonez e Trincadeira, em sua versão rubra, e das Antão Vaz e Arinto, na branca, cultivadas na região vinícola do Alentejo, e à tradição secular desse terroir localizado no sul de Portugal, com vocação natural para a produção de vinhos de boa cepa que remonta ao Império romano.

Consideradas militarmente estratégicas há mais de 2.000 anos pelas tropas da antiga Roma, que as ocuparam durante mais de 7 séculos e por lá plantaram as primeiras mudas de vitis vinifera, essas terras, que tinham a cidade de Évora como base, são o berço deste clássico lusitano que, a exemplo de outros vinhos emblemáticos como o champagne ou glórias culinárias como os doces conventuais, foi criado e moldado no interior de um monastério.

No caso do Pêra-Manca, o do Convento e Igreja da Ordem de São Jerónimo, local que antes se tornara ponto de peregrinação religiosa durante a Idade Média. Erguido nos anos de 1.300, o lugar fixaria por lá os talentosos frades produtores de vinho, que por sua vez teriam plantado, segundo velhos registros, os primeiros vinhedos naquela região e, tempos depois, produzido, entre os séculos XV e XVI, os primeiros Pêra-Manca, iniciando assim a saga desta legenda de nome insólito.

ROCHAS SOLTAS DO TERROIR ALENTEJANO DÃO NOME AO PÊRA-MANCA


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A origem de seu nome de batismo nada tem a ver, porém, como muitos possam erroneamente imaginar com o fruto da pereira ou, ainda, com o andar defeituoso e hesitante do cavalo que estampa o seu conhecido rótulo. Mas, sim, com as pedras que "balançavam" ou "mancavam", na linguagem oral e coloquial dos alentejanos, presentes naquele terroir formado de um solo íngreme com muitas rochas soltas, que são características de uma formação granítica de blocos redondos e soltos sobre um terreno firme. Assim, das "pedras mancas" surgiria o Pêra-Manca.

Por aqui, sabe-se, através do memorável relato de sete páginas de Pero Vaz de Caminha sobre o Brasil, que este vinho da era cabralina teria sido "importado" e desembarcado pela primeira vez em solo tupiniquim logo na viagem do descobrimento, em 1500. Aos índios - aquele povo que "andava nu, sem nenhuma cobertura" -, lhes foi oferecido provar do "vinho produzido próximo à cidade de Évora" - que por sinal não agradou em nada aos recém-iniciados silvícolas, tradicionais bebedores de cauim.

"Trouxeram-lhes vinho por uma taça, mal lhe puseram assim a boca e não gostaram dele nada, nem o quiseram mais." (Sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500). A exemplo de outras expedições portuguesas, vinho e bacalhau eram itens quase que obrigatórios na dieta das tripulações durante o período das Grandes Navegações, incluindo aquela comandada há mais de 500 anos por Cabral às terras Brasilis.

Produzido pela Casa Agrícola José Soares, o Pêra-Manca teve o seu apogeu no século XIX, quando chegou a colecionar importantes prêmios internacionais, como medalhas de ouro em Bordeaux em 1897 e 1898.

Herdeiro de uma marca emblemática, presenciou sua quase extinção no começo do século XX após a morte de seu proprietário e com a praga da filoxera, que dizimou os vinhedos no Velho Continente, para renascer por fim em grande estilo, em 1990, quando a prestigiada Fundação Eugénio de Almeida (FEA), instituição privada que promove o desenvolvimento e preservação das tradições culturais da região de Évora, passou a adotar o nome no rótulo do seu vinho mais importante, encerrando um hiato de 70 anos.

UM SUPERTINTO ELABORADO SÓ EM ANOS ESPECIAIS



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Como é elaborado só em anos excepcionais, de lá para cá a FEA só engarrafou as vindimas de 1990, 1991, 1994, 1995, 1997, 1998, 2001, 2003, 2005, 2008, 2009 e 2011, em um total até agora de 12 safras em 24 anos. A produção desse super-clássico português varia bastante, ficando entre 15 e 30 mil garrafas ao ano.

Seu DNA é composto sempre pelas castas Aragonez (também chamada de Tinta Roriz no norte de Portugal e de Tempranillo na Espanha) e Trincadeira, provenientes de vinhedos selecionados de mais de 30 anos com estresse hídrico controlado, e cujos percentuais variam a cada ano.

Ao atingirem o estado de maturação ideal, as uvas são colhidas e transportadas para a adega, onde se inicia o processo tecnológico, com desengace total, criteriosa escolha para um ligeiro esmagamento dos bagos. A fermentação ocorre em balseiros de carvalho francês com temperatura controlada, seguida de maceração pós-fermentativa prolongada.

Outro diferencial é o tipo de madeira usada. Os tonéis de 3.000 litros de mais de 50 anos substituem as barricas novas de carvalho, tão em moda hoje em dia. Neles, a bebida estagia por 18 meses e mais um ano em garrafa antes de chegar ao mercado. Todo o precioso lote é guardado na escuridão e sob o silêncio das caves do imponente Mosteiro da Cartuxa.

Considerada por muitos críticos internacionais como a melhor safra do século 21, o Pêra-Manca 2011, importado com exclusividade pela importadora Adega Alentejana, de São Paulo (adegaalentejana.com.br), honra a tradição deste monumento lusitano. (Em tempo: há também disponível no site da importadora as safras 2013 e 2014, com preços mais em conta do que a de 2011, que é a mais disputada e, portanto, mais cara).


VEGA-SICILIA: UM MONUMENTO NA TAÇA DE NEYMAR JR. E BRUNA MARQUEZINE

 

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Em sua passagem pelo Barça, o craque Neymar, principal esperança em campo da Seleção Brasileira no Mundial da Rússia na busca pelo Hexa, foi fotografado com este icônico tinto espanhol, brindando sua reconciliação com a atriz Bruna Marquezine ao lado dela e da irmã Rafaella Santos. Como se vê na foto acima, a cena viralizou na internet em 2017.

Trata-se de um dos grandes vinhos que o dinheiro pode comprar, um clássico da Espanha: o Vega-Sicilia Único. Além do interesse pela vida amorosa de Neymar e Marquezine, o que chamou a atenção de muitos internautas foi o preço do vinho, que pode chegar a R$ 10 mil no Brasil.

Situada na região de Ribera del Duero, a leste de Valladolid, a história de vinícola Vega-Sicilia, uma das mais emblemáticas e famosas da Espanha, remonta ao século XIX. Foi fundada em 1864 por Don Eloy Lecanda y Chaves.

Na época, Lecanda, assim como outros produtores espanhóis visionários, importou da região de Bordeaux vinhas das uvas Cabernet Sauvignon, Malbec e Merlot – plantando-as, ao lado da variedade ícone do país, a uva Tinto Fino – clone da Tempranillo –, nos áridos solos da região.

A reputação da vinícola começou a ser criada a partir de 1903, sob o domínio de Antonio Herrero, conquistando inúmeros prêmios e comercializando também seus vinhos internacionalmente. A propriedade mudou de donos diversas vezes antes da atual aquisição pela família Alvarez, em 1982. Hoje, propriedade é formada por, cerca de, 1.000 hectares, dos quais aproximadamente 250 são destinados ao cultivo das vinhas.

Com os Alvarez, a vinícola adotou processos meticulosos durante a produção dos seus vinhos. Nas vinhas, os rendimentos são controlados rigorosamente, onde ocorre também uma colheita e uma seleção de uvas precisas.

Já na adega os vinhos passam por enormes barris de carvalho, antigos e novos, que, apesar do envelhecimento prolongado, como por exemplo o vinho Unico envelhecimento por mais de 15 anos, apresentam sabores e aromas complexos – provando a excelente qualidade das matérias-primas de Vega-Sicilia.

Dos rótulos elaborados por esta legendária vinícola espanhola o Unico Reserva Especial (um blend dos melhores anos de Único), Unico (o primeiro ícone, feito com Tempranillo e Cabernet Sauvignon) e Valbuena no 5 (mescla de Tempranillo e Merlot envelhecida por cinco anos, daí o 5) são os mais representativos.

Considerado o mais emblemático vinho da Espanha e um dos maiores do mundo, o Vega Sicilia é importado com exclusividade no Brasil pela Mistral de São Paulo (www.mistral.com.br).


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(*) Marco Merguizzo é jornalista profissional especializado em gastronomia, vinhos, turismo e estilo de vida. Confira outras novidades no Instagram (@blog 1gole1garfada1viagem) ou clique aqui e vá direto para a página do blog no Facebook.