A vida chama

'Vemos as coisas como somos'


Nessa semana, completo meu primeiro mês de residência na França. Por não dominar o idioma, a observação tem sido muito presente no meu dia a dia. É uma boa forma de aprendizado. Observo absolutamente tudo. Como as pessoas se vestem. Conversam. Gesticulam. Comem. Como se comportam. Interagem. Se expressam. E é óbvio que, por estudar numa universidade terapêutica, também sou convidada a refletir, didaticamente, como isso tudo reverbera em mim.
 
Em uma das conferências de Psico Antropologia, o fundador da Libre Université du Samadeva, Idris Lahore, disse que “observar - sem avaliar - é a mais alta forma de inteligência”. Ele estava se referindo àquela observação sem crítica. Sem julgamento. Sem culpa. Sem projeção. “É essencial à evolução aprendermos a ver a realidade exatamente como ela é”, acrescentou. Sabe por que essa lição de casa é bem difícil? Vou explicar!
 
Tudo o que observamos, inicialmente, passa pelo nosso interior. Temos os chamados “programas emocionais”, que funcionam como véus. São verdadeiros filtros que carregamos desde a vida intrauterina. Isso mesmo: é cientificamente comprovado que as emoções e sentimentos dos nossos pais foram transmitidos durante a gestação. Ou seja: nós sentimos absolutamente todos os medos, tristezas, raiva, alegrias, amor e culpa que eles sentiram, mesmo quando ainda estávamos dentro da barriga da nossa mãe.
 
Não bastasse essa “herança”, do nascimento até os sete anos de idade desenvolvemos nossos próprios programas emocionais. Registramos e interpretamos todas as emoções e experiências de acordo com nossos sentimentos. E transformamos essas interpretações em padrões emocionais e comportamentais que podem refletir por toda a nossa vida.
 
Isso significa que a autora francesa, Anais Nin, estava certíssima ao dizer: “Não vemos como as coisas são. Vemos como somos.” Infelizmente, não enxergamos a realidade de uma forma pura. Tudo o que observamos chega até nós somente após atravessar nossos véus. Todas as impressões seguem trajetos neurais complexos. São muitas crenças limitantes pelo caminho. Temos os nossos próprios “óculos” de enxergar a vida.
 
E, justamente por isso, vemos tantos adultos agindo de maneira infantilizada. Diante de algo diferente da realidade deles, simplesmente “voltam pro jardim da infância” e têm atitudes inadequadas à vida adulta. Tendem a ridicularizar ou inferiorizar o outro quando deveriam agradecer pelo “pedaço da verdade” que lhes fora dado. 
 
O mundo nunca foi e nunca será correspondente às nossas necessidades. A vida não tem esse contrato com a gente. A nós compete o exercício constante de observar as diferenças, ter clareza para lidar com elas e integrá-las, se for o caso. O próximo passo nesta escala evolutiva é distinguir o orgulho da vaidade. Mas esse é um assunto prá outra reflexão e, com certeza, mais lição de casa.
 
Rita Bragatto - psicanalista, consteladora familiar e terapeuta floral  
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