1 gole, 1 garfada, 1 viagem

Vai que é tua! Temido pelos goleiros, o frango é titular absoluto em lares, bares e restaurantes com a popular versão a passarinho


POR MARCO MERGUIZZO (*)

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Amado à mesa por gourmets e comilões mas odiado pelos torcedores e sobretudo pelos goleiros quando a bola balança as próprias redes - ele apareceu logo no primeiro dia da Copa da Rússia, no aguardado clássico ibérico entre Espanha e Portugal pelo grupo B.

Transmitida via satélite para todo o planeta, a falha do goleirão De Gea, da Fúria e do Manchester United, diante do chute do craque portuga Cristiano Ronaldo (assista ao vídeo no final deste post) ganhou instantaneamente o centro das atenções e gozações mundo afora e, pior, repercutindo em nível global nas praças, bares, lares e sobretudo pela internet, com uma enxurrada de memes, e o assunto ocupando os primeiros lugares mais comentados do trending topics do Twitter e demais redes sociais. Espertamente, uma conhecida marca americana de fast-food aproveitou para turbinar as vendas de combos que levam o penoso. 

Sim, falemos aqui do "frango" (o gol) e do frango (a ave). Expressão acusatória ora bem-humorada ora cruel que significa no universo do futebol uma falha grotesca e supostamente defensável sob as traves, todo arqueiro uma vez na vida pelo menos já levou esse tipo gol. Em casos assim, o boleiro que fica embaixo dos três paus para defender o gol com as mãos - e só ele pode fazer isso entre os onze da equipe - deixa a bola entrar em sua meta por entre as pernas ou, pior, escapar-lhe entre os dedos - daí outro conhecido termo usado no mundo da bola: "goleiro com mãos de alface". 

E lá vem a ira de uns e a pilhéria de outros: "Frangueiro! Frangueiro!" Quem já não ouviu esse grito ecoar de modo implacável e ensurdecedor nas arquibancadas de um estádio de futebol? Sim, vida de goleiro não é fácil. Até mesmo goleirões consagrados da Seleção Brasileira já engoliram alguns frangos (veja, abaixo, os titulares da camisa 1 que fizeram história com a amarelinha).

Por ser um lance plasticamente grotesco, a cena causa a um só tempo espanto, frustração e riso quase involuntários. Se para o arqueiro, um frangaço é uma espécie de antigol e um de seus piores momentos (senão o pior), para a torcida é uma falha vexatória, duríssima de apagar da memória. Para os adversários, vira motivo, claro, de inevitáveis chacotas. Ou seja: um goleiro precisa de muitas defesas para tornar-se um ídolo, mas de apenas um frango para que a torcida esqueça todas elas e passe a cobrá-lo pelo infortúnio.  

Do fundo do gol para dentro da panela e ao centro do prato, sabe-se que o frango é o campeão de consumo na mesa do brasileiro e titular absoluto no cardápio de todas as torcidas por todo o país. Saboroso e versátil do ponto de vista culinário, virou até referência para a estabilidade da moeda, anos atrás, no auge do Plano Real (programa de reforma monetária que criou na década de 1990 o sistema vigente em substituição ao Cruzeiro, a antiga moeda, visando à establilização da economia), por ser uma carne barata. Melhor: considerado nutricionalmente saudável, é ideal para dietas de quem precisa perder peso ou deseja uma alimentação mais balanceada.  

Em comparação a outras proteínas animais, apresenta um índice glicêmico menor, ou seja, fornece nutrientes importantes para o organismo, que o preservam contra males como o colesterol e outras doenças modernas.

CARNE VERMELHA? O FRANGO É O CAMPEÃO DA PREFERÊNCIA NACIONAL 


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O Brasil é o maior exportador, segundo lugar no ranking de produção e o quarto país que mais consome frango no mundo. No mercado interno a preferência do consumidor pela ave é alta. Em 2017, o brasileiro consumiu 42 quilos de carne de frango, 186% a mais do que a suína e 59% superior à bovina.

Com um abate no ano passado de 1,79 bilhão de aves, 66% da produção é destinada ao mercado interno. De acordo com os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) o frango é a carne mais consumida no Brasil, e ainda em crescimento.

De 2016 para 2017 houve um acréscimo de 2,18% no consumo per capita, saindo de 41,2 quilos e atingindo 42, enquanto a carne bovina chegou a 26,47 kg/habitante e a suína 14,7. Ainda contribui para essa liderança o seu preço, menor que as demais proteínas.

Com produção estimada para este ano de pouco mais de 12,9 milhões de toneladas, o país também é o maior exportador mundial, com 4,32 milhões de toneladas (números atualizados), de acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).

Culinariamente falando, o frango, além do sabor que agrada a maioria dos brasileiros, tem aproveitamento e usos gastronômicos múltiplos. É uma carne que aceita marinadas e temperos variados. Além disso, apresenta uma excelente relação custo-benefício e, por isso, tem presença marcante não só na cozinha brasileira, lares, bares e restaurantes de todo o país, mas em vários países do mundo todo.

Como todo craque polivalente (aquele jogador que atua em várias posições dentro de campo), o frango nosso de cada dia é um dos grandes curingas da cozinha e cai bem em todas as refeições. Ultraversátil na panela, são inúmeras as maneiras de prepará-lo: das mais simples e caseiras às mais elaboradas. Ele pode ser assado, frito, refogado, ensopado, feito ao molho ou empanado à milanesa, ao molho pardo ou na conhecida versão a passarinho.

Também é protagonista em pratos internacionais como o Coq au Vin francês (frango ao vinho), o russo Frango à Kiev (enrolado com manteiga de ervas, farinha de rosca e frito), o chinês Frango Xadrez (com pimentões e amendoim) e o saxão Chicken La King (ao molho branco com champignons), quanto nos brasileiríssimos e populares frango a passarinho e o "de televisão", servido com batatas cozidas e farofa de miúdos.

A ASCENDÊNCIA ITALIANA DO POPULAR FRANGO A PASSARINHO


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Titular à mesa nos lares e menus de bares e restaurantes não só do Brasil, o italiano pollo (frango) all'uccellitto (passarinho) é na verdade a fonte original de inspiração e a água onde bebeu o nosso reverenciado frango a passarinho.

A receita chegou ao Brasil no final do século 19 com os primeiros imigrantes italianos, que trouxeram o hábito de apreciar a ave em pequenos pedaços (como a de um passarinho) e frita em óleo bem quente (na Itália, usa-se o azeite de olivas, incluindo no preparo temperos como alho, manjerona ou alecrim). Antes, frangos e galinhas eram consumidos tão-somente sob a forma de ensopados e assados, seguindo as melhores tradições portuguesas - oh, pá! 

O famoso galeto servido nos estados do Sul do Brasil é outra receita inspirada nessa tradição italiana. Ambos, portanto, têm a origem ligada a um costume hoje ecologicamente condenável: a passarinhada. Aliada às dificuldades de sobrevivência nos primórdios da colonização, o costume de comer passarinhos assados foi trazido pelos primeiros colonos vindos do Norte da península itálica. 

Resultado: depois da chegada deles ao Rio Grande do Sul sobraram bem poucas aves para contar história. O jeito, na falta dos passarinhos, foi substituí-los por franguinhos novos - os galetos - que lembravam no tamanho e no sabor os canarinhos e rouxinóis da Serra Gaúcha.

O certo é que o popular e queridinho frango a passarinho agrada a maioria dos brasileiros pela textura crocante e o sabor simples e caseiro, uma tentação difícil de resistir. Além disso, é um prato descomplicado, prático e fácil de fazer. Melhor, não dói no bolso se comparado a outras proteínas.

Historicamente, é uma espécie de predecessor das chamadas comidinhas "finger foods", aquelas que se comem com as mãos, lambuzando os dedos. O prato viveu o seu auge no final dos anos 60 e caiu definitivamente no gosto popular nas décadas seguintes de Norte a Sul do país.

O FRANGO DE GRANJA VERSUS O CAIPIRA CRIADO EM TERREIRO


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Galo que não atingiu a fase adulta, o frango pode ser encontrado em vários estágios de evolução. O mais comum é o que tem entre três e sete meses, e pesa pouco mais de 1 kg. Dois tipos predominam: o de granja, criados confinados e em larga escala, e o caipira, que cresce solto em quintais caseiros ou criados por pequenos produtores com uma alimentação natural e orgânica. Se este último é um produto difícil de ser encontrado nos dias de hoje nas cidades brasileiras, mesmo as de interior, o primeiro pode ser adquirido nas gôndolas dos supermercados inteiro, em pedaços, fresco ou congelado.

Do caipira se originam outros dois subtipos: o capão, que é castrado (para não cantar), e cuja origem remonta ao império romano, e o de leite, ou galeto, o mais novinho deles, que é abatido logo aos três meses de idade. Tal prática advém do hábito bastante comum entre os primeiros imigrantes italianos de caçar e comer passarinhos, como dissemos acima.

Há ainda um quinto tipo, a galinhola, ou galinha d'água, ave silvestre que habita o continente americano, hoje cada vez mais rara de ser encontrada mas muito apreciada em alguns lugares do interior do país, como o Norte e o Centro-oeste.

Qualquer um deles deve ter carne rosada e a pele, elástica, clara e consistência firme, porém, macia. Peito, coxa, sobrecoxa, asa, miúdos - são várias as possibilidades de cortes - e todas bastante saborosas. Embora os goleiros sofram ao cometê-los, o frango é definitivamente um golaço para o paladar.

IGUARIAS DE PENAS: AS AVES BOAS DE SABOR E DE PANELA



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CAIPIRA


Ao contrário do frango de granja, vitaminado à base de ração, este frangote é criado solto e se alimenta de milho e outros cereais – daí seus vários apelidos regionais: "pé-duro", "pé-sujo de terreiro" e "capoeira". Poder ser frito, ensopado ou grelhado.

CAPÃO

Frango novo, castrado, prática comum em estados do Norte e Nordeste. Por ser superalimentado, visando a sua engorda, sua carne tem mais gordura e é mais macia e delicada. Abatido aos 7, 8 meses, quando chega a pesar cerca de 2,5 kg, em geral é assado ao forno e recheado, como o peru.

D'ÁGUA

A galinha d'água ou galinhola (Gallinula chloropus galeata) é uma ave silvestre pequena, hoje rara no país, com cerca de 35 centímetros de comprimento. Encontrada às margens de lagos e rios de águas calmas, do Canadá à Argentina, ela é em geral preparada refogada ou assada.

DE LEITE

Também chamado de galeto, é abatido aos três meses, com cerca de 650 gramas. Com pouca gordura, cartilagem e ossos, sua carne macia tem sabor delicado. Na cozinha pode ser assado ou grelhado.


ÁLBUM DE FIGURINHAS

Se ser goleiro é difícil, imagine entrar para a história. Confira a trajetória dos craques da camisa um verde-amarela, entre 1970 e 2018


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GYLMAR

Bicampeão mundial com a camisa da Seleção Brasileira de 1958 e 1962, Gylmar dos Santos Neves (1930-2013) defendia as traves do célebre time do Santos da década de 1960, que também foi bi mundial de clubes (1962-1963), base da seleção à época e cujo esquadrão era capitaneado por Pelé, maior atleta do século 20 e considerado por muitos o melhor jogador de todos os tempos.

LEÃO

Ninguém é titular da Seleção brasileira por dez anos por acaso. Reserva de Félix em 1970, o sempre polêmico Emerson Leão, que também foi técnico da Amarelinha no início dos anos 2000, foi titular em três mundiais: 1974, 1978 e 1986.

CARLOS

Apesar de ter disputado três Copas (1978, 1982 e 1986), Carlos Roberto Gallo era taxado de azarado. Seu lance mais marcante foi o pênalti nas quartas-de-final da Copa de 86. Neste jogo, contra a França, a bola bateu na trave, rebateu nas suas costas e morreu no gol. Frango? Pura infelicidade do mais frio goleiro que vestiu a amarelinha.

TAFFAREL

Titular da Seleção em três mundiais consecutivos (1990, 1994 e 1998), o gaúcho Cláudio Taffarel, hoje preparador de goleiros da comissão técnica da Seleção do técnico Tite, foi um dos goleirões mais eficientes que o país já teve. Seu senso de colocação embaixo do gol transformava qualquer chute difícil em uma defesa fácil. Campeão do tetra em 1994, na Copa dos EUA, viu o craque italiano Roberto Baggio isolar o pênalti e Dunga levantar o caneco. Vai que é tua, Taffarel!

MARCOS

Com seus "milagres" sob os três paus, Marcos Roberto Silveira Reis ou simplesmente "São Marcos", como o torcedor alviverde o reverenciava, levou o Palmeiras à conquista da Libertadores de 1999 e a Seleção, ao título da Copa do Mundo de 2002, no Japão, onde o Brasil conquistou o pentacampeonato.

ALISSON


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Caçula da turma de titulares da Seleção, o atual camisa 1 do Brasil ganhou a posição graças às atuações na Roma da Itália, nas últimas temporadas europeias. A Copa da Rússia é o primeiro Mundial do gaúcho Alisson Ramses Becker. Se fechar o gol, também fará história ao trazer o cobiçado Hexa na bagagem. Vai, Alisson! Vai, Brasil!

+ VÍDEOS


Assista, agora, a dez frangos cometidos por goleiros de seleções ao redor do mundo




 
Veja, abaixo, também, os frangos do espanhol De Gea e do argentino Caballero durante a primeira fase de grupos da Copa do Mundo da Rússia 2018











(*) Marco Merguizzo é jornalista profissional especializado em gastronomia, vinhos, turismo e estilo de vida. Confira outras novidades no Instagram (@blog 1gole1garfada1viagem) ou clique aqui e vá direto para a página do blog no Facebook.