Blog do Simões

Crítica teatro - Quarto de brinquedos


Crítica teatro – Quarto de brinquedos

A emoção de estar em cena




O teatro pode acontecer em todos os espaços e de modos variados. Para tanto basta pessoa (ou mais) diante de outra (ou outras) num dado lugar, mostrando-lhe “algo”. Este “algo” não é qualquer coisa. Pode ser como escreveu Shakespeare a “matéria dos sonhos” e ser representado por um texto, um objeto, um som, um desejo, etc.
 
O outro que assiste passa então a ser denominado espectador ou público ou plateia.  Assim o teatro é o resultado do conjunto daquele que interpreta (com intencionalidade), com aquele que assiste (com consentimento), num dado espaço delimitado e com regras.

Foi a partir dessa relação que a arte teatral desenvolveu diversas possiblidades dramatúrgicas, de ocupação do espaço, cenográficas, sonoras, luminosas e de interpretações. Uma diversidade enorme de práticas cênicas.

Mas atenção! Apesar do teatro ter uma base simples, nem tudo o que se faz dentro de um edifício teatral, ou mesmo na rua, pode ser denominado de teatro. Pode ser outra coisa. É bem por isso, que  perguntas como: o que é teatro? qual teatro eu quero fazer? Nunca pode abandonar o artista e o seu ofício.

A televisão não é teatro. Apesar de existir alguém que interpreta e outra que assiste, não é teatro. Isso porque não acontece no mesmo local. Não há o aqui e agora. A presença coletiva é um dos fundamentos do teatro.

E por falar em televisão. Um tipo de situação que vivencio ao assistir espetáculos produzidos nas escolas ou por escolas é a de encontrar muitas referências da televisão no palco.  Como assim? Na televisão se valoriza muito o rosto, os olhos e os detalhes. Afinal os aparelhos de tv são pequenos para ficarem mostrando grandes cenas e o corpo inteiro os artistas o tempo todo. Ficaria desinteressante. Assim se o aluno ou aluna tem somente esse tipo de referência de interpretação, o resultado será de muitas caras e bocas em cena. Isso não é bom no teatro. Na cena o corpo, o gesto e a voz não estão dissociados e devem ser amplificados (não gritados).  É diferente o modo de se fazer e mostrar um corpo em cena no teatro do que na televisão.

Do mesmo modo: o ritmo, a iluminação, a sonoplastia, a cenografia são diferentes na televisão e no teatro. Coisas simples no palco, como um botão quase caindo do figurino, uma cadeira bamba, ou material esquecido no fundo do palco, interferem na recepção de quem assiste. No cinema e na televisão, não. Eles podem ser cortados pela edição e montagem. No teatro, não funciona assim. Tudo o que está em cena tem uma função e interfere naquilo que está sendo apresentado.

Um dos motivos pela presença da referência da televisão no teatro nas escolas se encontra no fato das crianças, jovens e adultos assistirem pouco teatro e, assim terminam por não ter o referencial da cena. Muitas crianças e jovens nunca assistiram a um espetáculo teatral. É preciso mais teatro na cidade, nos bairros, nas escolas.

E foi pensando nisso tudo que  assisti ao espetáculo “Quarto de Brinquedos”, no teatro Pedro Salomão, da recém-criada companhia teatral Quimera. O espetáculo é resultado da oficina teatral coordenada por Nick Cardoso que acontece na Vila Jardine. Oficina gratuita, com encontros semanais e integrantes entre 08 a 68 anos.  Um enorme desafio.

O enredo conta a história de uma menina que deseja jogar todos os seus brinquedos no lixo e uma amiga que, ao contrário, deseja repara-los e doa-los a outras crianças.  Em meio a isso tudo os brinquedos ganham vida e decidem reagir a esta situação. Surge, então, uma fada dos brinquedos para “salvar os brinquedos” e assim por diante.

A trama é simples.  O conflito apresentado não oferece a densidade suficiente para promover a discussão que se propõe.  O “algo” precisa ser sempre bem cuidado.  A proposta da encenação utilizando músicas dubladas como fio condutor da trama não favorece o jogo entre os jovens atores.  Reitero o que já pontuei noutras críticas: a utilização de músicas conhecidas em cena requer atenção. Isso porque elas têm uma autonomia de intencionalidades pré-existentes, e muitas vezes não combinam com o que se vê em cena.

É necessário observar que a música alta, também, não significa emoção no teatro. Na sessão que assisti a música estava alta demais. É necessário adequar o som ao espaço. A direção precisa acertar a iluminação. Nalgumas cenas não se enxergava o rosto dos interpretes. Necessitam, também, ajustes na movimentação e o modo de ocupação do espaço cênico. Está é a riqueza do teatro. O que se faz numa sessão pode ser alterado numa outra. O Teatro é assim. Nunca uma apresentação será igual a outra.

Os atores e atrizes de o “Quarto de Brinquedos” estavam todos compenetrados e emocionados por estarem em cena. Realizaram com rigor as marcas e os textos e, principalmente, se mostravam felizes por estarem se cena. Aquela felicidade também me deixou feliz. Cada qual enfrentando um nível de dificuldade sem, no entanto, desistir dos desafios. A emoção de estar em cena transbordava. Isso por si só já tem o seu valor. A bailarina, o duende, o soldadinho e a boneca de pano caíram nas graças do público. Foi bom ver a vontade desse grupo em cena. Eis o germe do teatro. Que venham outros espetáculos!

Por fim, é importante destacar a relevância das oficinas e cursos de formação em teatro de curta e longa duração na cidade. Por meio deles o teatro se renova e amplia também o público.  Que se espalhem pela cidade bons cursos de teatro.

Elenco

Ale Rodrigues
Anapaula Rodrigues
Cida Lopes
Ellen Felix
Fatima Mony
Gabi Alcântara
Gabriel Vinicius
Lucy Gabriele
Kênia Souza ( Larissa)
Manoel Campos
Maria Bueno
Nick Cardoso II
Paullo Ribeiro
Rayssa
Zelinda Alves Pereira

Luz Sonoplastia
Eli Andrade

Coreografia
Paulo Ribeiro

Caracterização
Kenia Souza

Contra-regra
Mellanie Cristine Lopes Moreira
Direção
Nick Cardoso