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Família e amigos relembram Alexandre, goleiro sorocabano que substituiria Zetti


A faixa de campeão paulista de 1991 carrega uma pequena mancha, resultado da ação do tempo. A medalha de campeão da Taça Libertadores de 1992 perdeu um pouco do brilho. As fotos e camisetas da época de São Paulo Futebol Clube já não têm a mesma intensidade nas cores. Mas tudo continua guardado com extremo zelo e carinho. O dono de todos estes itens é Alexandre Escobar Ferreira. Sorocabano, ele teria completado 46 anos em 2018, não fosse um acidente automobilístico sofrido em 18 de julho de 1992, na rodovia Castelo Branco, em São Roque, há 26 anos.

O tempo ameniza, mas não diminui, a saudade de quem conheceu o então jovem goleiro, tido como aposta para substituir o ídolo Zetti. O Cruzeiro do Sul esteve na casa da mãe de Alexandre, Marilene Escobar, de 65 anos. À época, ela vendia jogos do bicho na Vila Carvalho e, naquele sábado, os oferecia normalmente, de casa em casa, como em um dia comum. Até que chegou à banca do bairro e uma vizinha questionou: "Tem algum goleiro do São Paulo sem ser o Alexandre?"

A pergunta veio seguida de um calmante que manteve Marilene "fora do ar". "Até hoje eu não lembro direito daqueles dias. Eu não chorava, não dormia. (O calmante) me deixou muito "grogue". Eu fui buscar o corpo dele em São Paulo, mas estava tudo normal. Parecia que não tinha acontecido nada. Mas, depois, quando saiu o efeito, foi terrível. Entrei em depressão", conta.
 


Marilene e Murilo, nascido depois que Alexandre morreu - ERICK PINHEIRO Marilene e Murilo, nascido depois que Alexandre morreu - ERICK PINHEIRO

 

Alexandre foi levado com 14 anos ao clube do Morumbi por Ademir de Barros, o Paraná. E compôs o elenco campeão da Libertadores, atuou nos dois jogos das oitavas de final contra o Nacional (URU) no lugar do suspenso Zetti e auxiliou o ídolo, apontando os cantos na decisão por pênaltis diante do Newells Old Boys. Ainda assim, para se ter uma ideia de como o profissionalismo no futebol era incipiente, o goleiro sorocabano não chegou a ter um contrato formal com o Tricolor, registrado em carteira. "Ele morreu no sábado. O contrato profissional seria assinado na segunda-feira", recorda-se a mãe.

Marilene mantém pulsante na memória os últimos momentos com o filho. Dias antes ao acidente, Alexandre veio a Sorocaba. "Ele estava reformando a minha casa, na Vila Angélica. Então, a gente estava dormindo na casa de uma comadre minha. Até me arrepia de lembrar, estava ele no meio, minha filha Renata (hoje com 35 anos) de um lado, eu do outro", lembra. No último papo, o jovem prometeu que realizaria um sonho da mãe. "Eu queria comprar uma estante e ele falou que compraria. E, também, eu sempre tive brechó, e ele disse: "Viu, mãe, quando eu estiver ganhando bem, eu vou montar uma loja de roupa nova para a senhora". E eu falava que não queria, que gostava mesmo era de brechó", diz, sorridente.

A mãe de Alexandre e Renata teve outro filho, de outro casamento, após a morte do primogênito. Murilo, de 23 anos, veio, segundo ela, "para alegrar os dias". "Ele (Murilo) é especial. Não assiste muito aos jogos, mas entende o que aconteceu com o irmão. Está sempre com a camisa do São Paulo", diz. A fala de Marilene foi confirmada quando o jovem entrou em casa, vestido nas cores vermelho, preto e branco.
 
Guarda Mirim
 
Praticamente da família, os vizinhos do bairro, José Fortunato Silva, 68, e Ana Lúcia Silva, 65, são só elogios à índole de Alexandre. “Tinha muito caráter, cresceu com o meu filho mais velho, era um exemplo de pessoa”, conta o simpático senhor.
O ex-goleiro são-paulino era sinônimo de dedicação, de acordo com Ana Lúcia. Aos oito anos, já trabalhava, pela Guarda Mirim da época, como guarda-volumes e empacotador em um supermercado, ofícios responsáveis por garantir um valor de pensão a Marilene atualmente. Ela, inclusive, ainda guarda e mostra com orgulho o uniforme azul usado pelo filho. 
 


Ana Lúcia e José Fortunato: saudades - ERICK PINHEIRO Ana Lúcia e José Fortunato: saudades - ERICK PINHEIRO

José, com os olhos marejados, resume o sentimento: “O Alexandre deixa muita saudade.” Por ter acompanhado a trajetória do vizinho, comenta que Alexandre começou jogando pelo Paulistano e também teve uma passagem pelo São Bento. “No começo ele não era nem goleiro, tinha muita habilidade e conseguia jogar em outras posições”, diz. 
E acrescenta: “As pessoas sempre relacionam ele ao Rogério Ceni (terceiro goleiro do São Paulo naquele período). Sempre fica aquele ‘se’. Se não tivesse acontecido... Sabe se lá, mas que o Alexandre prometia, prometia”, afirma ele, que tem como última memória o então jovem brincando de futebol de botão em sua garagem, com outros garotos, às vésperas do acidente. 
 
Conhecer ídolo
 
Numa reportagem do GloboEsporte.com em 2012, Marilene dizia que um dos sonhos dela era conhecer Zetti. A vontade foi realizada há três anos, quando o São Paulo promoveu o encontro em um dos camarotes do Morumbi, durante uma partida do clube.
 

Agora, ela nutre mais dois desejos em seu coração: encontrar Rogério Ceni e levar o filho Murilo ao estádio do Tricolor. “Quem sabe com essa reportagem isso não fica possível?”, diz. “Quero muito poder dar um abraço nele”, diz, confiante.
Ela não sabia que o ex-goleiro e hoje técnico veio a Sorocaba recentemente, para o confronto entre São Bento e Fortaleza, pela Série B do Campeonato Brasileiro. “Se soubesse teria tentado ir para vê-lo.”